Veto do Brasil mantém Venezuela fora de parceria com o Brics
InternacionaisApós muito suspense, os chefes de Estado e de governo do Brics fecharam a lista de 13 países que serão convidados a integrar o bloco como parceiros. A Venezuela, apesar da pressão dos anfitriões russos e da presença de última hora do ditador Nicolás Maduro na cúpula em Kazan, ficou de fora.
É uma vitória da diplomacia brasileira, após ter sido atropelada pelo processo que ampliou o número de membros plenos do Brics de 4 para 9 na reunião de 2023, na África do Sul. O encontro que acaba na quinta (24) na Rússia é o primeiro com a nova composição, que foi impulsionada pela China.
O governo do presidente Lula (PT), o único líder ausente da reunião desta quarta (23) por ter batido a cabeça numa queda doméstica, era contrário à entrada de Maduro no clube desde que desentendeu-se com o antigo aliado devido à documentada fraude das eleições presidenciais de julho.
A queda de braço havia começado na véspera, quando as equipes negociadoras fecharam o texto da declaração final da cúpula, a ser aprovado pelos presidentes e premiês presentes. Como a Folha adiantou, a lista de países parceiros foi fechada em 12 nomes, sem incluir Caracas.
A relação não será divulgada oficialmente, para evitar estresses políticos como a desistência da Argentina de entrar na expansão e a adesão algo porosa da Arábia Saudita, que enviou um diplomata secundário para Kazan e não se manifestou nos encontros.
Isso também dá margem de manobra para uma eventual mudança na teoria, mas negociadores consideram que a questão da Venezuela foi superada na reunião dos premiês e presidentes, onde Lula foi representado pelo chanceler Mauro Vieira.
Foram selecionados para convite ao bloco na América Latina Cuba e Bolívia, países próximos da Rússia e de Cuba, mas também do Brasil. Completavam a lista Tailândia e Vietnã, Malásia e Indonésia, Belarus e Turquia, Nigéria e Uganda, além de Uzbequistão e Cazaquistão, um grupo diverso do ponto de vista regional e político.
Tudo parecia encaminhado quando os sinais de mais uma virada de mesa, como ocorrera em 2023, se avolumaram. O assessor presidencial russo Iuri Uchakov, por exemplo, foi à TV dizer que eram na realidade 13 países escolhidos, sem dizer quais.
Ao mesmo tempo, desembarcava em Kazan o ditador Maduro, que tanto não era esperado que havia enviado sua vice, Delcy Rodrigues, já na segunda-feira (21).
No aeroporto, fez loas à “era de cooperação e paz” que os Brics ensejavam, como se já estivesse no bloco. A relação dele com o presidente Vladimir Putin é antiga, e Moscou tem nos venezuelanos um de seus mais importantes aliados geopolíticos, pela posição no quintal estratégico dos Estados Unidos.
A Nicarágua, outra ditadura com quem o Brasil não se dá e Putin apoia, chegou a ser especulada como uma candidata a parceiro, mas isso não prosperou. Ao todo, 36 países estão representados em Kazan, incluindo os 9 membros plenos, numa vitória política da Rússia, isolada pelo Ocidente devido à Guerra da Ucrânia.
Ao fim, o décimo terceiro elemento era a Argélia, como havia especulado à reportagem um dos negociadores. No ano passado, o país do Norte da África quase foi incluído na expansão, mas havia um nó com o vizinho Marrocos, seu rival.
Sem saber como escolher um sem melindrar o outro, os dois ficaram de fora. Agora, Argel superou a resistência que os Emirados Árabes Unidos tinham pelo fato de serem parceiros dos marroquinos no processo de paz de países sunitas com Israel, ora travado pela guerra no Oriente Médio.
Segundo negociadores, contudo, ainda há a possibilidade de o Marrocos ser reincluído na relação. Já a volta de Caracas é vista como inviável dado o veto brasileiro. Maduro ainda vai se encontrar em separado com Maduro mais tarde.
O convite, por óbvio, não implica aceitação. O governo do Cazaquistão, por exemplo, disse à agência russa Sputnik que não tem interesse em ser parceiro —sugerindo que gostaria de uma admissão como membro pleno.
O mesmo se espera da Turquia, que encaminhou o pedido de adesão em setembro. Aqui, a resistência maior foi da China, que vê no país na fronteira entre Ásia e Europa um elemento contrário à sua influência no bloco, a exemplo do que sua rival Índia já faz pontualmente.
A musculatura turca, um membro da Otan [aliança militar liderada pelos EUA] ao mesmo tempo em que seu presidente, Recep Tayyip Erdogan, discutiu a construção de uma usina nuclear com tecnologia russa com Putin, acabou por deixá-la apenas com o convite de parceria —que deverá ser visto como menor.
Além disso, Xi Jinping parece ter aceitado a redução do ritmo da expansão, dada a quantidade de nós a serem desatados que a ampliação trouxe: equalização de posições anteriores do bloco, adoção de linguagem em comunicados etc.
Na Guerra Fria 2.0 pontificada por Pequim e Washington, na qual Moscou tem um assento de gala ao lado dos chineses, um Brics reforçado passou ser usado por Xi e Putin como uma ferramenta de prestígio político.
A primeira expansão privilegiou países não democráticos como a dupla principal: Irã, Emirados e Egito estão longe da ideia ocidental de regime liberal, que é adotada por Brasil, Índia e África do Sul. Por isso há um esforço do Itamaraty de evitar qualificar o grupo como político, por suas agendas divergentes.
Nesta rodada, essa posição prevaleceu, o que não quer dizer que ela seja mais do que uma acomodação pontual. Os desafios de identidade do grupo seguem à mesa, e no ano que vem será a vez do Brasil assumi a presidência do Brics e lidar com isso.
Igor Gielow/Folhapress