Milei desvaloriza peso, suspende obras públicas e corta subsídios na Argentina
InternacionaisO governo de Javier Milei anunciou um duro pacote de medidas econômicas para conter a crise e a inflação na Argentina. O novo presidente vai desvalorizar fortemente o peso, suspender todas as obras públicas, cortar subsídios de energia e transporte, reduzir repasses às províncias e liberar importações.
O dólar oficial, que vale cerca de 400 pesos no país vizinho hoje, dobrará e será fixado em 800 pesos. Com isso, todos os preços nas ruas devem subir. Para amortecer os efeitos dessas mudanças, os programas sociais serão ampliados: as mensalidades pagas por filho subirão 100%, e os cartões alimentação, 50%.
Uma lista de dez medidas foi anunciada numa mensagem gravada na noite desta terça (12) pelo novo ministro da Economia, Luis Caputo, que foi ministro das Finanças do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019). O vídeo foi exibido com duas horas de atraso porque Caputo teve que regravá-lo, segundo a imprensa argentina.
“Nós sempre focamos em solucionar as consequências, e não a raiz do problema”, justificou ele, argumentando que a causa da inflação crônica do país é, fundamentalmente, o que chamou de “vício no déficit fiscal”, ou seja, gastar sempre mais do que se arrecada.
“Agora o que viemos fazer é o oposto ao que foi feito sempre. Solucionar esse problema de raiz justamente para não ter que padecer mais dessas consequências, da inflação e da pobreza”, afirmou, após fazer uma longa explicação sobre o que é o déficit. Ele citou como exemplos os gastos de uma casa e até maçãs.
O anúncio era muito aguardado pelo mercado e pela população desde esta segunda (11). Sem saber quais seriam as primeiras medidas de Milei e portanto o que aconteceria com o dólar depois de sua posse, muitos argentinos aceleraram a estocagem de produtos duráveis nas últimas semanas, como é comum no país em épocas de incertezas.
Os preços em geral subiram 143% em 12 meses até outubro, mas espera-se um aumento ainda mais expressivo para novembro e dezembro, uma vez que, sem referência, as mercadorias e os serviços estão com valores muito voláteis e sendo constantemente remarcados nas ruas.
Acordos para limitar os preços feitos pelo ex-ministro Sergio Massa com empresários, que teoricamente durariam até o fim do mês, já não existem na prática. Bancos também adiaram ou aumentaram a cotação do dólar cobrada dos argentinos nas faturas dos cartões de crédito, já prevendo uma desvalorização pela nova gestão.
Mais cedo, o porta-voz do governo, Manuel Adorni, havia anunciado outros cortes: a propaganda oficial em meios de comunicação será suspensa por um ano, e os cargos públicos federais se reduzirão em 34%, uma vez que haverá uma diminuição de 18 para 9 ministérios, de 106 para 54 secretarias e de 182 para 140 subsecretarias.
Ele também comunicou o fim do home office para o funcionalismo e o início de uma revisão de todos os contratos do Estado. Adorni falou em acabar com o “emprego militante” e tratar protestos com o mantra “dentro da lei tudo, fora da lei nada”, gerando a reação de sindicatos, que já marcaram um grande ato para os dias 19 e 20.
O Banco Central, agora presidido pelo economista Santiago Bausili, convocou uma reunião com os bancos na manhã desta quarta (12) para explicar o pacote de medidas antes da abertura dos mercados. Tanto Caputo como Bausili são nomes ligados ao ex-presidente Mauricio Macri, que apoiou Milei no segundo turno e pretende ajudar na sua governabilidade.
HISTÓRICO DE CRISES
A Argentina passa por sua terceira grande crise econômica em 40 anos de democracia, completados no último domingo. A situação é causada por um déficit (gastos maiores que receitas) que já dura 13 anos, uma dívida pública que representa 88% do PIB, falta de dólares nos cofres públicos e impressão de moeda que fazem a inflação explodir.
O país vizinho foi o que mais tentou planos de estabilização malsucedidos na região nos últimos 50 anos —o Brasil vem segundo lugar. Foram sete fracassos (entre 1976 e 2018), quatro sucessos temporários que duraram um ano e meio, e um sucesso mais longo, em 1991, mas que teria um fim trágico na grande crise de 2001.
Durante a campanha eleitoral, Milei prometeu que quebraria esse ciclo transformando os dólares na moeda corrente do país e fechando o Banco Central. Mas, depois que foi eleito, ele baixou o tom sobre essas propostas e nomeou um ministro da Economia que é conhecidamente contra a dolarização.
Júlia Barbon/Folhapress