Tesouro exonera dez servidores em meio a crise por falta de acordo sobre reajuste salarial
BrasilDez servidores do Tesouro Nacional foram exonerados de seus cargos nesta quarta-feira (23), em uma escalada da crise que se instalou no órgão diante da falta de acordo sobre a negociação salarial da categoria.
A portaria foi assinada pelo secretário do Tesouro, Rogério Ceron, e publicada no DOU (Diário Oficial da União) após o sindicato da carreira recorrer à Justiça para fazer valer a entrega de cargos protocolada como forma de protesto.
Com a exoneração, eles continuam sendo servidores da carreira de auditoria de finanças e controle, mas deixam de ocupar postos de chefia, como coordenação ou gerência. Oito substitutos também foram dispensados.
O ato é mais um capítulo do impasse que já dura meses e vem provocando atrasos em divulgações estatísticas e operações de crédito de estados e municípios. Leilões da dívida pública seguem ocorrendo normalmente, mas já houve quatro inéditas suspensões pontuais na venda de títulos brasileiros na plataforma Tesouro Direto.
A medida teve repercussão negativa entre os servidores do órgão. Embora a categoria tenha recorrido à Justiça para entregar os cargos, havia a expectativa de que a iniciativa ajudasse a convencer o governo a apresentar uma proposta mais atrativa para a carreira.
Em reunião ocorrida na semana passada, Ceron alertou os funcionários do órgão de que as exonerações poderiam começar aos poucos e manifestou preocupação com o risco de isso criar uma espiral ruim para a carreira e para a instituição. Na ocasião, o secretário disse, em tom cordial, que não poderia assegurar uma solução rápida para o impasse.
Os servidores mantiveram suas reivindicações e os pedidos de exoneração. Segundo os relatos, eles não esperavam que as dispensas se concretizassem. Na CGU (Controladoria-Geral da União), cujos técnicos também são auditores de finanças e controle, houve igualmente entrega simbólica de cargos, mas nenhuma avançou formalmente.
Em outras negociações, auditores da Receita Federal também protocolaram entrega de cargos como forma de manifestar insatisfação com as negociações, sem que os servidores tenham efetivamente perdido o posto. Terminada a mobilização, todos cancelaram os seus pedidos de dispensa.
Ceron disse ao jornal Folha de S.Paulo nesta quarta que a publicação das exonerações segue orientação da PGU (Procuradoria-Geral da União), órgão ligado à AGU (Advocacia-Geral da União), quanto à inadequação da inércia diante dos pedidos.
“[A orientação é] Que elas [exonerações] podem ser gradativas, mas que não haveria justificativa plausível para inércia total”, afirmou.
“Não há surpresas. Fiz live com todos os servidores semana passada e avisei que não tinha mais como segurar os pedidos de exonerações e que seria dado início gradativamente. Não há nenhuma satisfação em chegar nessa situação, mas de fato a orientação jurídica é para dar início [ao processo]”, acrescentou o secretário.
Servidores reclamam da falta de clareza sobre os critérios para determinar o número de exonerados e quem seria afetado pela medida. Segundo os relatos dos funcionários, entre as pessoas que perderam o cargo estão servidores que aderiram posteriormente à mobilização, enquanto aqueles que protocolaram antes o pedido continuam em suas funções.
Houve ainda uma concentração de três exonerações numa coordenação-geral de relações e análise financeira de estados e municípios, enquanto outras áreas, como as responsáveis pela contabilidade pública ou por assuntos corporativos, tiveram dispensas pulverizadas. Departamentos que cuidam da programação financeira e da gestão da dívida pública foram blindadas neste primeiro momento.
A principal reclamação dos servidores do Tesouro tem como alvo a disparidade com as outras duas principais carreiras do Ministério da Fazenda: auditores da Receita Federal e procuradores da Fazenda Nacional. Ambas têm os salários reforçados por uma parcela extra, em forma de bônus ou honorários de sucumbência (recebidos pelos advogados em ações judiciais vencidas em favor da União). Não há paralelo para as demais categorias.
Segundo os servidores, essa disparidade seria agravada com a proposta negocial feita pelo MGI (Ministério da Gestão e Inovação). A oferta prevê um reajuste de até 23% em dois anos, mediante o alongamento da carreira (com número maior de degraus) e redução do salário de entrada.
Representantes do Tesouro classificam a proposta como inaceitável, não pelo mérito em si, mas principalmente porque as mesmas diretrizes não foram aplicadas sobre as estruturas da Receita e da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), que percorrem um caminho mais curto até chegar ao topo da carreira.
A remuneração atual dos servidores do Tesouro, entre R$ 20,9 mil e R$ 29,8 mil mensais, não pode ser considerada baixa na comparação com a média salarial do país (R$ 3.228), mas é menor que os vencimentos básicos das demais carreiras da Fazenda. Um auditor fiscal da Receita recebe de R$ 25,2 mil a R$ 32,8 mil, fora o bônus. Já os procuradores da PGFN ganham entre R$ 22,9 mil e R$ 29,8 mil, mais os honorários (cerca de R$ 10 mil mensais).
A principal crítica dos servidores do Tesouro é que, com a proposta do MGI, novos funcionários do órgão passarão dez anos ganhando um salário abaixo da remuneração de entrada na Receita Federal. Ou seja, esse profissional teria incentivo para fazer outro concurso e migrar de carreira.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, o ministro da CGU, Vinicius de Carvalho, defendeu à ministra Esther Dweck (Gestão e Inovação) que a discussão se concentre nos reajustes salariais e que a proposta de reestruturação da carreira, para implementar o maior número de degraus, seja tratada em um grupo de trabalho.
Essa proposta teria aceitação entre os servidores, não só da CGU, mas também do Tesouro. No entanto, ela ainda não foi encampada por outros setores do governo. O MGI também não tem a pretensão de oferecer essa opção, a não ser, segundo uma fonte, que isso venha de cima para baixo —ou seja, um comando direto da Casa Civil.
Entre os servidores do Tesouro, a avaliação é de que o ato de Ceron esticou a corda. O novo episódio está sendo considerado pelos técnicos do órgão como algo mais grave do que o “motim” ocorrido em 2013 contra o então secretário, Arno Augustin, durante o governo Dilma Rousseff (PT).
Na época, Augustin enfrentou resistências entre seus auxiliares, incluindo os coordenadores-gerais. O clima piorou quando os subsecretários e coordenadores expuseram, em reunião com o então secretário, preocupação com manobras que estavam sendo adotadas.
Técnicos avaliam que a crise é pior agora porque, na época de Augustin, a grande motivação foi uma preocupação com a instituição, e não houve entrega de cargos. Agora, a formalização das primeiras exonerações é vista como uma forma de pressionar os demais a desistir deste caminho.
Idiana Tomazelli/Adriana Fernandes/Folhapress