STF julga limites e critérios para investigações do Ministério Público
BrasilO STF (Supremo Tribunal Federal) volta a discutir, nesta quarta-feira (24), a atuação do Ministério Público em investigações criminais, mas com a intenção de debater os limites sobre o tema e adequar o papel do órgão diante da implantação do juiz das garantias.
A ideia que tem sido discutida pelos ministros, segundo a Folha apurou no Supremo, é a definição de critérios técnicos sobre procedimentos investigativos internos do Ministério Público.
Em agosto do ano passado, ao determinar a implantação do juiz das garantias —modelo que divide o julgamento de casos criminais entre dois juízes—, o STF definiu “que todos os atos praticados pelo Ministério Público como condutor de investigação penal” deveriam ser submetidos “ao controle judicial”.
Também ordenou que o órgão encaminhasse, em até 90 dias, “sob pena de nulidade, todos os PIC [procedimentos investigativos criminais] e outros procedimentos de investigação criminal, mesmo que tenham outra denominação, ao respectivo juiz natural, independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição”.
Isso gerou uma sobrecarga no Judiciário. O Ministério Público começou a mandar todos os procedimentos aos juízes, como notícias-crime e representações —usados para comunicar ao órgão fatos que podem configurar delitos. A interpretação de parte do Supremo é que houve uma terceirização de atribuições ao Judiciário.
Por isso, é necessário definir quais apurações devem ser encaminhadas aos juízes, em qual estágio e se todo o material deve ser enviado.
Estão na pauta no tribunal oito ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) que questionam o papel investigativo do Ministério Público, apresentadas pelo PL, pelo antigo PSL (atual União Brasil) e pela Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil).
Os processos são relatados pelos ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes —há também um que estava sob a responsabilidade da ministra Rosa Weber, hoje aposentada.
O primeiro é o relator da Operação Lava Jato no tribunal, já o segundo é um crítico não só da operação, mas de outras ações promovidas pelo Ministério Público Federal na última década.
Em 2015, o Supremo já havia confirmado que os promotores e procuradores podiam fazer investigações de ordem penal, desde que isso acontecesse por prazo razoável e que fossem respeitados direitos e garantias dos investigados.
A discussão voltou ao Supremo em 2022, quando Gilmar apresentou votos no sentido de dar maior controle às investigações tocadas pelo Ministério Público.
Ele defendia que houvesse, nessas investigações criminais, “efetivo controle pela autoridade judicial competente”, com informações sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, “com o devido registro e distribuição, atendidas as regras de organização judiciária, sendo vedadas prorrogações de prazo automáticas ou desproporcionais”.
A intenção do ministro é de que o Judiciário possa, por exemplo, determinar arquivamento de apurações devido, por exemplo, a ausência de justa causa ou excesso de prazo na tramitação.
Fachin pediu que os processos fossem julgados pelo plenário do Supremo, e eles foram paralisados.
A discussão foi retomada em agosto passado, quando o STF começou a julgar a validade do instituto do juiz das garantias, aprovado no Congresso Nacional em 2019. Nesse novo modelo, um juiz autoriza diligências da investigação e o outro analisa se recebe a denúncia e julga o réu.
Na ocasião, foi definido um prazo de implementação do modelo 12 meses após o fim do julgamento, com possibilidade de prorrogação de mais 12 meses, sob justificativa.
Também foi determinado o controle dos atos do Ministério Público e o encaminhamento dos procedimentos aos juízes. Foi nesse momento que se viu a necessidade de dar maior definição à questão.
Em manifestação nos processos, a própria PGR (Procuradoria-Geral da República) pede esclarecimentos do STF.
“O dever de submeter ao controle judicial ‘toda e qualquer investigação’ e todos os ‘outros procedimentos de investigação criminal, mesmo que tenham outra denominação’ (…) merece ser compreendido como a abranger somente os procedimentos instaurados pelo órgão ministerial que envolvam o desencadear de investigações, excluindo-se, por consequência, as meras notícias de fato de natureza criminal”, disse o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Ele considera “ser necessário esclarecer tal particularidade, dado que, além dos procedimentos investigatórios, há inúmeras notícias, requerimentos e documentos que são entregues diariamente aos órgãos ministeriais”.
“[Elas são] registradas em sistema informatizado de controle e distribuídos aleatoriamente para apreciação pelos membros da Instituição, sob a denominação de ‘notícia de fato’”, acrescentou.
Especialistas em direito penal consultados pela reportagem dizem esperar que o Supremo defina quais serão as obrigações do Ministério Público a respeito de seus procedimentos.
Para André Damiani, criminalista especializado em direito penal econômico, a corte deve determinar “balizas e mecanismos que imponham o controle perene do Poder Judiciário, legítimo guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão investigado”.
“Por exemplo, devem prevalecer obrigações mínimas de o MP comunicar o juízo acerca da instauração do procedimento, do seu encerramento, a vedação de prorrogações de prazos automáticos, dentre outros pontos”, afirma.
Já o advogado criminalista Daniel Bialski, mestre em direito processual penal, afirma que o STF deve regulamentar “investigações difusas de um inquérito policial normal que o próprio Ministério Público faz internamente”.
“A corte vai decidir qual e se tem um limite para que o Ministério Público investigue de forma própria um fato”, afirma.
Mônica Bergamo/Folhapress