Promotoria aponta falta de assistência jurídica a presos por atos golpistas de 8/1

Brasil

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

O MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) instaurou procedimento para acompanhar e fiscalizar a prestação de assistência jurídica aos internos nos presídios do DF após as prisões decorrentes dos ataques golpistas de 8 de janeiro.

Grande parte dos detentos, segundo os promotores de Justiça, não tem advogado constituído ou recebeu atendimento apenas em alguma fase da apuração.

A maioria dos acusados segue atrás das grades após 50 dias das primeiras prisões. De acordo com informações da VEP (Vara de Execuções Penais) do DF desta segunda-feira (27), são 910, sendo 605 homens e 305 mulheres.

Existem 26 presos alocados em unidades prisionais especiais em razão de prerrogativas, caso do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, de ex-comandantes da PM e advogados.

A Justiça informou ainda que 343 pessoas, liberadas mediante o uso tornozeleira eletrônica, são monitoradas pelas autoridades distritais. Para um grupo de 119 investigados, o acompanhamento foi transferido a outros estados, locais de origem dos manifestantes.

Por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ao menos 1.420 pessoas foram presas em flagrante nos dias 8 e 9 de janeiro ou durante as operações deflagradas pela Polícia Federal nas semanas seguintes.

Nesta segunda, em evento na Flórida (Estados Unidos), Jair Bolsonaro (PL) defendeu as pessoas presas após a invasão e depredação das sedes dos três Poderes.

“Nós temos agora, vai completar dois meses, 900 pessoas presas, tratadas como terroristas. Que não foi encontrado, quando foram presos, um canivete sequer com elas. E estão presas. Chefes de família, senhoras, mães, avós”, disse o ex-presidente.

Bolsonaro comparou a história brasileira com a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Donald Trump invadiram e depredaram o local. O ex-presidente disse que nos EUA a “grande maioria” das pessoas responde ao processo em liberdade.

“No Brasil, não”, afirmou ele. “As pessoas, a grande maioria, sequer estava na praça dos Três Poderes naquele fatídico domingo, que nós não concordamos com o que aconteceu lá.”

Os promotores do núcleo do MPDFT que acompanham a situação nos presídios da capital do país realizaram 15 inspeções entre janeiro e fevereiro.

O grupo colheu uma série de relatos com “reclamações quanto à deficiência da assistência jurídica periódica”, afirmou a Promotoria em comunicado enviado à Folha. O MPDFT encaminhou ofícios às defensorias públicas da União e do DF para tratar da assistência jurídica.

Procurada pela reportagem, a DPU (Defensoria Pública da União) informou que cerca de 250 pessoas que respondem às apurações sobre os atos golpistas estão sendo assistidas pelo órgão. Destacou que muitos réus possuem advogados particulares constituídos.

“Atualmente 11 defensores públicos atuam nessas ações penais que foram instauradas no âmbito do Supremo Tribunal Federal. A DPU atua na prestação de assistência jurídica integral, formulando requerimentos de liberdade, apresentando peças defensivas e participando de atos processuais presenciais”, afirmou o órgão.

A DPU acrescentou que tais atendimentos são feitos “à medida que se revele necessária a coleta de dados e informações das pessoas assistidas pela instituição”.

Nesta segunda, por exemplo, informou o órgão, dez defensores públicos federais e um do DF fizeram atendimento individualizado a mais de 120 presos e presas com esse objetivo de coletar dados para a defesa e formulações de pedidos de liberdade.

A Defensoria Pública do DF afirmou, por sua vez, que atua desde a data das prisões e que foram cinco visitas ao presídio masculino e três ao feminino.

Frisou que, embora não tenha atribuição para defender os presos quando acusados de crimes federais, o órgão tem feito “a prestação de serviços jurídicos, a fiscalização de direitos humanos, a inspeção das condições dos presídios, saúde, alimentação, acesso aos familiares”.

Até o momento, a PGR (Procuradoria-Geral da República) denunciou 915 pessoas por participação nos atos golpistas.

A maioria (689), chamada de “incitadores”, foi enquadrada em dois tipos penais: incitação ao crime por instigar as Forças Armadas contra os Poderes e associação criminosa.

Um outro grupo, de 225 pessoas, é o de “executores”, detidos nas sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro e apontados como responsáveis pela depredação dos prédios.

Foram enquadrados pela Procuradoria nos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

O Supremo e a PGR ainda procuram soluções para as centenas de ações penais contra os suspeitos de participarem e incentivarem os ataques golpistas. É consenso que, em qualquer cenário, haverá sobrecarga de serviços e uma provável necessidade de convocar reforços.

No STF, mostrou a Folha, interlocutores de Moraes afirmam que a sua intenção inicial era manter os processos sob a tutela do tribunal, o que evita que eles fiquem parados e sem julgamento —ou que haja decisões divergentes entre os juízes caso sejam enviados para a primeira instância.

Porém não há uma equipe na corte que tenha condição de tocar a fase de instrução das ações, após o recebimento das denúncias.

Nessa parte dos processos, são apresentadas as provas materiais, como documentos, e ouvidas as testemunhas. A partir daí, o juiz forma a convicção se irá condenar ou absolver o réu.

Uma possibilidade que tem sido cogitada é a criação de uma força-tarefa, com convocação de juízes, para conduzir essa fase dos processos.

DESDOBRAMENTOS NA JUSTIÇA DOS ATAQUES GOLPISTAS:
Reação Desde os atos golpistas na praça dos Três Poderes, em Brasília, uma sequência de prisões e operações de segurança foi realizada mirando não somente os executores, mas os fiadores e instigadores dos atos de vandalismo nos prédios do STF (Supremo Tribunal Federal), do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.

Investigação A Polícia Federal deflagrou a Operação-Lesa Pátria, com seis fases, tendo como alvos participantes a autores intelectuais dos ataques. Enquanto isso, a PGR (Procuradoria-Geral da República) criou grupos especiais para averiguar e buscar reparação pelos danos causados, e a AGU (Advocacia-Geral da União) pediu bloqueio de R$ 20,7 milhões de 134 pessoas, 5 empresas e 2 entidades suspeitas de envolvimento e patrocínio.

Responsabilização Os manifestantes golpistas que invadiram a Esplanada dos Ministérios podem responder por crime contra o Estado democrático de Direito. Se identificada omissão, autoridades também poderão ser responsabilizadas, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.

Prisão preventiva A maioria dos encarcerados está neste regime de prisão, quando há a privação de liberdade em medida cautelar para evitar o cometimento de novos crimes, como a fuga de suspeitos, ou a eliminação de provas a serem coletadas no processo. A prisão, neste caso, não é definitiva, e depende de julgamento do delito.

Pedidos em aberto Ao denunciar os envolvidos e em outras manifestações relacionadas aos atos antidemocráticos, a Procuradoria defendeu que acusados respondam às acusações em liberdade, mas não há ainda decisão do ministro Alexandre de Moraes. O magistrado concedeu o benefício em casos pontuais até o momento


NÚMEROS DA INVESTIGAÇÃO
Prisões em flagrante após os atos de 8 de janeiro: 1.420

Prisões em flagrante convertidas em preventivas: 942

Prisões em flagrante convertidas em liberdade provisória: 343 pessoas com monitoramento realizado pela Justiça do DF e 119 pessoas com acompanhamento vinculado a outros estados

Prisões realizadas pela PF em seis fases da Operação Lesa-Pátria: 24 presos preventivamente e 3 presos temporariamente

910 pessoas, sendo 605 homens e 305 mulheres presas em flagrante em 8 e 9 de janeiro e seguem na Papuda*

Presos em unidades especiais em razão de prerrogativas: 26 pessoas, incluindo o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, ex-comandantes da PM e advogado

Denunciados sob acusação de incitar as Forças Armadas contra os Poderes (delitos de incitação ao crime e associação criminosa): 689 pessoas

225 pessoas foram denunciadas sob suspeita de participação direta nos atos de invasão e vandalismo às sedes dos Três Poderes (associação criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União)

1 servidor denunciado do Senado sob suspeita de omissão

*Informação de 15 de fevereiro da Vara de Execuções Penais do DF

Fontes: Supremo Tribunal Federal, Polícia Federal e Procuradoria-Geral da República

 

Marcelo Rocha/Folhapress

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