Parlamentares do Brasil e EUA trocam experiências sobre CPIs que investigam ataques ao Congresso

Brasil

Parlamentares e assessores de congressistas brasileiros se reuniram na última semana com o deputado americano Jamie Raskin para discutir estratégias e trocar experiências sobre as investigações das invasões antidemocráticas dos Parlamentos nos dois países.

Raskin, do Partido Democrata, foi um dos nove membros do Comitê do 6 de Janeiro, como ficou conhecida a comissão que investigou a invasão do Capitólio, em Washington, em 2021. Na ocasião, apoiadores do então presidente Donald Trump, insuflados pelo republicano, atacaram o Parlamento do país para impedir a confirmação da vitória de Joe Biden.

A reunião ocorreu de maneira virtual na terça-feira (23). Participaram as equipes de dois membros da CPI formada por deputados e senadores no Brasil para investigar o ataque aos três Poderes em 8 de janeiro deste ano, empenhado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o recém-empossado governo Lula (PT).

Estiveram no encontro assessores da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPI, e da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que também faz parte da comissão. Além delas, participou da reunião o deputado Henrique Vieira (PSOL-RJ).

“As contribuições do deputado Jamie Raskin foram valiosíssimas, já que os EUA têm atuado fortemente para investigar e punir exemplarmente golpistas que atentaram contra a democracia daquele país”, disse à Folha a senadora.

No encontro, segundo os participantes, Raskin defendeu que a investigação envolva a colaboração de grupos de diferentes partidos, seja ampla e irrestrita. Nos Estados Unidos, dos 9 membros da comissão, 7 eram democratas e 2 republicanos.

A comissão no Brasil já nasce pluripartidária devido à diferença do sistema político brasileiro para o americano, que tem apenas dois partidos representados no Congresso. No caso dos EUA, porém, houve uma diferença importante. Os dois membros republicanos, o mesmo partido de Trump, não defendiam o ex-presidente e assinaram o relatório final que pediu o indiciamento do ex-mandatário. Com isso, acabaram perdendo espaço na legenda e apoio de eleitores. Uma delas, Liz Cheney, vice-presidente do comitê, não conseguiu se reeleger. O outro, Adam Kinzinger, não se candidatou novamente.

Raskin também sugeriu que a comissão no Brasil investigue uma suposta atuação de grupos da ultradireita internacionais, que agem em rede em diferentes países para desestabilizar governos democráticos, e citou a presença do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, nos Estados Unidos na ocasião dos ataques —ele esteve na Casa Branca dois dias antes da invasão do Capitólio.

O deputado americano também sugeriu ao grupo uma investigação minuciosa dos financiadores dos atos antidemocráticos no Brasil. “A sugestões dadas pelo parlamentar para aprofundarmos as investigações contra financiadores dos atos golpistas no Brasil também já estão no nosso radar. Temos a certeza de que numa investigação desta envergadura a troca de experiências e o compartilhamento de informações têm importância significativa”, disse Eliziane.

Outra dica foi trabalhar a comunicação, para sensibilizar o público da gravidade dos fatos. “Entender o timing das redes sociais e ter uma boa capacidade de reverberar o que estamos fazendo em um ambiente onde a extrema direita navega bem [a internet], é tão importante quanto fazermos um bom debate no Parlamento”, disse o deputado Henrique Vieira à reportagem.

“A investigação e a narrativa que vai para a sociedade são duas coisas que precisam caminhar de forma conjunta”, afirmou.

Segundo ele, houve um componente de fundamentalismo religioso nos atos antidemocráticos nos EUA, no relato de Raskin, e será interessante observar a participação de igrejas no fomento aos ataques também no Brasil.

A reunião foi organizada pelo grupo Washington Brazil Office, e fizeram parte ainda membros de organizações como Instituto Vladimir Herzog, Comissão Arns, Abong (Associação Brasileira de ONGs), Artigo 19 e Pacto Pela Democracia.

O encontro ocorreu dois dias antes da instalação da CPI no Brasil, na última quinta (25), com a senadora Eliziane na relatoria e o deputado federal Arthur Maia (União Brasil-BA) como presidente. O foco de investigação da CPI deve ser os bolsonaristas, responsáveis pelos ataques golpistas aos prédios principais dos três Poderes. Entram nisso os vândalos em si, os organizadores dos atos, os financiadores dos acampamentos e caravanas e os autores intelectuais, como o ex-presidente Bolsonaro.

A comissão que investigou o 6 de janeiro nos EUA durou um ano e meio, de julho de 2021 a dezembro de 2022, ouviu mais de mil testemunhas e pediu o indiciamento de Donald Trump por quatro crimes relacionados à recusa em aceitar o resultado da eleição presidencial de 2020: obstrução de procedimento oficial; conspiração para fraudar os Estados Unidos; conspiração para fazer uma declaração falsa; e incitação, assistência ou ajuda a insurreição.

 

Thiago Amâncio / Folha de São Paulo

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