Morre o jornalista Antero Greco, que juntou humor e jornalismo ‘das antigas’ na televisão, aos 69

Brasil

O humor não é necessariamente uma característica que salta aos olhos nos telejornais da ESPN, canal em que os apresentadores costumam estar vestidos de terno e gravata para falar de esportes. Mas a língua afiada de Antero Greco, com comentários sagazes e alguns trocadilhos, deram ao tradicional SportsCenter uma marca pessoal do jornalista.

Desde 2000 na bancada do programa, ao lado do também sempre divertido Paulo Soares, Antero cultivou em mais de duas décadas uma legião de fãs, aficionados por sua mistura de informação de qualidade com boas risadas. Um estilo que ele construiu em mais de 40 anos de jornalismo, carreira à qual dedicou grande parte de sua vida, transitando em jornais e na televisão.

Nesta quinta-feira (16), aos 69 anos, o jornalista morreu em decorrência de complicações causadas por um tumor no cérebro. A informação foi confirmada pela ESPN.

Antero Greco descobriu a doença em 2022, quando ficou afastado da TV por quase um ano.

“Estar aqui na bancada que há mais de vinte anos eu ocupo é uma emoção. É uma vitória da ciência e da fé”, disse ele durante um discurso emocionado em seu retorno ao SportsCenter, em 16 de maio de 2023, antes de comentar o motivo de sua ausência.

Primeiro, ele contou que passou mal em casa, foi ao hospital e constatou um tumor na cabeça. Internado com urgência, ele passou por cirurgia e foi liberado para voltar para casa. Dois meses depois, no entanto, teve uma recaída.

“Exames de rotina mostraram que sobrou ‘um treco da gororoba’, então deveria ser submetido a uma segunda operação, sem prazo definido. Até que eu tive aquele ‘piripaque’ aqui, nesse canto”, recordou-se.

Greco comentava uma vitória do São Paulo sobre o Atlético Goianiense pela Copa Sul-Americana, em 8 de setembro de 2022, quando parou abruptamente de falar. O apresentador Felipe Motta, que estava ao lado dele, perguntou se o colega estava bem, e com a negativa chamou o intervalo para que ele fosse atendido.

Depois disso, ele ficou novamente afastado, até ter um retorno gradual à emissora. Inicialmente, de forma remota, e em setembro de 2023, ele voltou ao estúdio da ESPN, onde ele ingressou em 1994.

“Imaginávamos ainda voltar a bancada do SportsCenter. Nosso sonho acabou. Vamos enviar luz e paz para que seja uma passagem tranquila”, escreveu o companheiro de bancada Paulo Soares, em texto publicado na sexta-feira (10) na coluna de Juca Kfouri no UOL.

Além da emissora, o paulista passou também por SBT, Band, Estadão, Diário Popular e Folha, durante um breve período, de setembro a novembro de 1989.

Como jornalista e comentarista, trabalhou na cobertura de 11 Copas do Mundo, entre outras competições importantes, como Copa das Confederações, Copa América e Libertadores.

Formado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo, onde também fez o curso de Letras, Antero quase seguiu por um caminho completamente diferente do que trilhou. Por um tempo, ele cultivou o desejo de ser padre.

“Talvez tivesse seguido e depois abandonado porque era muito contestador para os padrões salesianos, que eram os padres que eu frequentava na escola em que estudei, o Liceu Coração de Jesus. Fiquei um mês em Campinas, no seminário”, contou em entrevista ao UOL.

Em 1974, ele iniciou a carreira no jornalismo, como revisor no Estadão. No jornal, ele exerceu ainda as funções de repórter, chefe de reportagem, repórter especial e editor assistente.

Quem o conheceu acredita que os períodos em que Antero trabalhou na mídia impressa moldaram seu estilo de trabalho.

“Embora ele tenha tido toda essa carreira na TV e protagonizado cenas deliciosas com o Amigão, no SportsCenter, ele foi um jornalista das antigas. Um filho de [Johann] Gutenberg”, descreve Juca Kfouri, colunista da Folha.

Amigos de longa data e colegas de trabalho durante anos nos canais ESPN, Juca e Antero gostavam de cultivar uma saudável rivalidade. “Ele era o palmeirense mais corintiano do Brasil. Como ele nasceu no Bom Retiro, ele brincava que tinha essa costela corintiana”, relembra Kfouri.

“Comigo, ele só se referia ao Corinthians como ‘nosso Corinthians’. Era incapaz de fazer qualquer gozação tão logo terminasse um Dérbi com vitória do Palmeiras, como tem sido mais frequente”, acrescenta.

Adepto das redes sociais, ele também era reconhecido por ter opiniões fortes, sobretudo sobre política. A postura lhe rendeu o rótulo de militante político, de extrema-esquerda, algo que o incomodava.

Também ao UOL, ele recordou uma entrevista que fez com Luiz Inácio Lula da Silva, à época como ex-presidente depois de seus dois primeiros mandatos. Na ocasião, preferiu adotar uma postura sisuda.

“Passei a entrevista toda sisudo. Sisudo mesmo, porque achei que tinha que ser assim. Tanto que o entrevistado percebeu e, depois, perguntou. Falei que é meu jeito. Fiz perguntas que repercutiram em sites, jornais e com candidatos que ele citou”, disse Antero.

“Já entrevistei Havelange, cobri visita do Papa, entrevistei general na época da ditadura, entrevistei Blatter, Platini, Pelé, o garçom, entrevistei caras idolatrados e execrados. Porque minha profissão é jornalismo. Entrevistaria o Doria, Alckmin, Bolsonaro, a Erundina, qualquer um que me chamasse”, acrescentou.

Quem quer que fosse seu entrevistado, Antero Greco tinha sempre o mesmo objetivo, o de fazer as pessoas refletirem e não só sobre esportes, mas sobre qualquer assunto, ainda que de forma leve. Assim ele se pautou ao longo de toda sua carreira.

 

Luciano Trindade/Folhapress

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