Ministério pressionou governo por atuação da AGU na defesa de militar investigado

Brasil

Brasília (DF), 26.09.2023 – Presidente Lula, Ministro Camilo Santana (Educação) e Ministra Nísia Trindade (Saúde) são entrevistados pelo jornalista Marcos Uchoa para o programa Conversa com o Presidente. Imagem: Canal Gov

A disputa entre o Ministério da Defesa e a pasta da Justiça em torno da atuação de militares na segurança do Rio de Janeiro envolveu uma tentativa, por parte de oficiais, de incluir no decreto da GLO (Garantia da Lei e da Ordem) uma garantia expressa de que a AGU (Advocacia-Geral da União) representaria militares em possíveis processos judiciais por crimes cometidos no âmbito da operação.

A tentativa por essa garantia consta em artigo incluído em minuta redigida pela Defesa e obtida pela Folha.

O texto dizia que “caberá à Advocacia-Geral da União assistir ou representar o militar, extrajudicial ou judicialmente, caso venha a responder a inquérito policial ou a processo judicial por sua atuação na Operação decorrente deste Decreto”.

A proteção da AGU aos militares chegou a ser discutida entre técnicos do governo e ministros da gestão Lula (PT), segundo relatos feitos à Folha. A conclusão foi a de que o trecho deveria sair do decreto.

Militares que integram o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, órgão vinculado ao Ministério da Defesa, foram os responsáveis por produzir a minuta do decreto.

Ela seria uma versão para contrapor a minuta criada pelo Ministério da Justiça, que trazia pontos considerados controversos por oficiais-generais —no âmbito de uma disputa política entre os fardados e policiais federais.

As desavenças entre as equipes dos ministros José Múcio (Defesa) e Flávio Dino (Justiça) marcaram os preparativos para a operação que colocou militares atuando na segurança no Rio de Janeiro em portos e aeroportos.

Houve discordâncias, por exemplo, sobre quem comandaria as operações de segurança pública e qual seria a atribuição de cada órgão, segundo militares e outros interlocutores. Também houve por parte dos militares um questionamento sobre de quem seria a competência para julgá-los caso fossem processados nessas ações.

Leis e decretos que tratam sobre a GLO já permitem que advogados da União representem militares acusados por crimes durante as operações. A inclusão do trecho no decreto seria uma forma de dar mais segurança jurídica aos militares na operação, segundo oficiais-generais afirmam reservadamente.

Nos documentos internos, o Ministério da Defesa ainda afirmou que a necessidade de se decretar GLO para o reforço da segurança em portos e aeroportos ocorre para garantir que os militares eventualmente processados sejam julgados pela Justiça Militar.

“A decretação de GLO é essencial para que as Forças Armadas assumam o controle operacional dos órgãos de segurança pública, bem como para configurar tais ações de policiamento ostensivo como atividades de natureza militar e, assim, atrair a competência da Justiça castrense para apreciar e julgar possíveis crimes decorrentes dessas ações”, diz trecho do parecer da consultoria jurídica do Ministério da Defesa, assinado pela advogada da União Carolina Cardoso.

Os desdobramentos jurídicos sobre militares que participam de operações de GLO são uma das principais preocupações das cúpulas das Forças Armadas.

As demandas para dar garantias especiais aos militares se intensificaram após 2011, quando militares mataram Abraão Maximiano, um menino de 15 anos, durante a Operação Arcanjo no Complexo do Alemão.

Militares responderam na Justiça comum. Representados por advogados da União, eles participaram de audiências por anos até o processo ser arquivado, sem condenação.

Depois desse caso, os chefes das Forças Armadas passaram a fazer lobby no Congresso e conseguiram aprovar uma lei para garantir que os fardados fossem julgados pela Justiça castrense se fossem processados por atos ocorridos durante operação de GLO.

As Forças Armadas ainda tentaram, sem sucesso, aprovar um projeto de lei no Congresso, com a ajuda do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tratava do excludente de ilicitude. Na prática, a ideia era criar um dispositivo na lei que abrandasse penas para militares que cometessem excessos “sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, inclusive em operações com mortos.

Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que a inclusão do trecho que a própria pasta colocou na minuta de decreto “não era necessária” porque a AGU já assiste os militares alvos de processos judiciais. “Assim, o militar empregado na GLO poderá contar com a assistência jurídica da AGU.”

O Ministério da Justiça se limitou a dizer que não foi contra a inclusão do trecho sobre a assistência da AGU no decreto presidencial.

O presidente Lula assinou o decreto de GLO em 1º de novembro. A operação é diferente das demais já realizadas pelas Forças Armadas porque define uma atuação mais restrita dos militares, limitando-os ao espaço aeroportuário e às poligonais de portos no Rio de Janeiro e em São Paulo.

São alvos da operação os portos do Rio, de Itaguaí (RJ) e de Santos (SP), além dos aeroportos do Galeão (RJ) e de Guarulhos (SP). Segundo o governo, o objetivo é combater o tráfico de drogas e de armas, para limitar a atuação das facções criminosas e reduzir o fluxo de dinheiro que elas movimentam.

 

Cézar Feitoza/Folhapress

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