INSS trava compartilhamento de dados para revisão de cadastro do Bolsa Família

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O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome trava uma batalha contra o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) na tentativa de obter o compartilhamento de informações sobre o pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios.

A medida é necessária para otimizar a atualização dos registros do Cadastro Único, base de programas como o Bolsa Família, como voltará a se chamar o programa de transferência de renda. O acesso a dados mantidos pelo próprio governo no Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais) permitiria identificar com precisão as famílias elegíveis às políticas, evitando pagamentos indevidos.

O INSS, porém, resiste em partilhar os dados de forma sistematizada sob o argumento de que são sigilosos, segundo relatos e documentos colhidos pela Folha.

O órgão requer novos pareceres jurídicos, a despeito de AGU (Advocacia-Geral da União) e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) já terem se manifestado a favor da integração, por entenderem que ela não fere o sigilo fiscal e de dados dos cidadãos.

A posição do INSS é sustentada apesar de o compartilhamento já existir, embora em forma de consulta manual.

O Portal Cadastro Único, ferramenta provida pela Dataprev (empresa de tecnologia do governo federal), já permite aos gestores municipais acessar a base do Cnis —que detém registros de benefícios previdenciários, assistenciais e trabalhistas, além de informações sobre remuneração e vínculos formais de trabalho.

Segundo descrição no site oficial, o próprio entrevistador social pode visualizar “dados detalhados de rendas formais dos últimos 12 meses e informações de benefícios previdenciários dos cidadãos cadastrados”.

A diferença é que o assistente social faz as consultas uma a uma, durante o atendimento aos cidadãos que buscam os Cras (Centros de Referência de Assistência Social). Para isso, um termo de permissão de acesso às bases de dados do INSS foi firmado por estados e municípios, sob o compromisso de manutenção do sigilo. As consultas são rastreáveis.

O pedido formulado pelo Ministério do Desenvolvimento Social é para que haja comunicação direta e automática entre as duas bases de dados —a chamada interoperabilidade. Isso evitaria a convocação em massa de famílias para atualização do cadastro num momento em que a rede de assistência já está bastante sobrecarregada.

Inicialmente, as informações do Cnis seriam baixadas e carregadas mensalmente no Cadastro Único. A partir de 2024, a ideia é que a integração ocorra em tempo real.

O ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social) já disse que há suspeita de irregularidade em 2,5 milhões de benefícios do Bolsa Família. A articulação entre as bases de dados poderia ajudar nessa averiguação.

O assunto foi discutido em reunião em janeiro entre representantes do Ministério do Desenvolvimento
Social, INSS, Dataprev, Caixa (responsável pelo Cadastro Único), Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) e Receita Federal.

O ministério responsável pelo Bolsa Família tem tido o respaldo de órgãos jurídicos do governo. A avaliação é de que a integração não viola o sigilo fiscal, nem os preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados —que permite o tratamento compartilhado de dados, sem o consentimento do titular, sempre que for necessário à execução de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos.

Ao longo do mês de fevereiro, no entanto, o INSS acenou com novas negativas. Segundo relatos, o ministério avalia acionar a Casa Civil em busca de uma solução.

Procurado nesta quarta-feira (22), o INSS disse que “não há qualquer travamento em relação ao compartilhamento de informações” e que os termos “estão sendo discutidos internamente entre as equipes técnicas dos dois órgãos e os demais envolvidos, já que se trata de dados sensíveis e regulados pela LGPD”.

O MDS informou que tem buscado a integração com outras bases de dados para qualificar as informações do Cadastro Único. A pasta diz que utiliza dados do Cnis desde 2015, quando um contrato com a Dataprev permitiu a realização de cruzamentos periódicos das bases de dados para detectar divergências.

“O que se pretende como novo passo de evolução do Cadastro Único é fazer a integração sistêmica entre as duas bases de dados, garantindo-se, assim, uma qualificação maior e mais eficaz das informações de renda”, disse.

A pasta ressaltou que dispõe de parecer jurídico “aprovando a proposta de integração” e que seguiu as orientações da ANPD sobre normas de proteção e sigilo de dados. “O ministério está em tratativas finais com o INSS para que a integração possa ocorrer”, afirmou.

A ANPD disse não ter conhecimento sobre a “interrupção do compartilhamento de dados pessoais dos beneficiários do INSS”, mas não respondeu diretamente sobre o pedido do Desenvolvimento Social. A AGU havia direcionado os questionamentos ao INSS.

Nos bastidores, técnicos apontam como pano de fundo a disputa entre Dataprev e Caixa para ver quem fica com a gestão do Cadastro Único.

No governo de Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Cidadania iniciou um trabalho de migração da base dos programas sociais para o ambiente do Cnis, o que significa passar o bastão da Caixa (que é remunerada pela função) para a Dataprev. Com a mudança de governo, o temor é que o projeto seja interrompido.

A avaliação no governo, porém, é que o compartilhamento das informações é um passo anterior, uma vez que se trata de aprimorar as condições de execução da política pública.

O Cadastro Único serve de base para mais de 30 programas federais voltados à baixa renda. Não à toa, o cruzamento das informações é previsto em decretos presidenciais e na emenda constitucional 103, a reforma da Previdência, promulgada em novembro de 2019.

A emenda ordenou a instituição de um sistema integrado, com informações de remuneração, benefícios previdenciários, assistenciais, pensões e demais programas de transferência de renda, abastecido não só pela União, mas também por estados e municípios.

No fim de 2021, o TCU (Tribunal de Contas da União) expediu uma determinação para que o governo implementasse a integração num prazo de dois anos, até o fim de 2023. No julgamento, o órgão apontou que ao menos R$ 4,9 bilhões em parcelas do auxílio emergencial pagas indevidamente em 2020 poderiam ter sido evitadas, caso o sistema já estivesse em pleno funcionamento.

Na avaliação de órgãos jurídicos do governo, a emenda constitucional “determina, e não apenas autoriza” a interação entre as bases de dados para o fortalecimento da gestão, governança e transparência do Cadastro Único, o que por si só já afasta qualquer argumento de violação do sigilo fiscal.

A qualificação dos dados de renda no Cadastro Único pleiteada pelo ministério vai permitir detectar e corrigir eventuais divergências e omissões —por exemplo, se uma família deixa de declarar o recebimento de um benefício do INSS na expectativa de conseguir ingressar em outro programa do governo.

“A ação é uma medida de atualização das rendas de pessoas cadastradas, sem a necessidade de que essas sejam convocadas e onerem ainda mais as filas dos postos de atendimento municipal responsáveis pelo cadastramento”, disse o MDS na justificativa do pedido.

No cadastro de novas famílias, o assistente social conseguiria recorrer a informações que já são de posse do governo, economizando tempo do cidadão e dos atendentes.

O MDS elenca a medida como essencial para a “melhoria de focalização do Programa Auxílio Brasil/Bolsa Família” e de outras políticas públicas que usam a renda como critério de acesso, pois “permite retirar desses programas as famílias fora do perfil, ao passo que possibilita espaço de atendimento àquelas que fazem jus a eles”.

O objetivo é que a integração seja efetuada já em abril. Para isso, no entanto, é necessário que o INSS autorize o compartilhamento até a primeira semana de março, para que o MDS consiga testar a inserção dos dados do Cnis no Cadastro Único, evitando erros.

NÚMEROS DO CADASTRO ÚNICO (DEZ/2022)
Famílias cadastradas

41,3 milhões

Famílias que recebem Auxílio Brasil/Bolsa Família

21,9 milhões

Famílias com indício de irregularidade no Auxílio Brasil/Bolsa Família

2,5 milhões

ENTENDA O IMPASSE
O que é o Cadastro Único?

É uma base de dados usada em mais de 30 programas sociais federais e que reúne informações de famílias de baixa renda, cujo rendimento seja de até meio salário mínimo por pessoa ou até três salários mínimos no total.
O que é o Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais)?

É uma base de dados que reúne informações sobre beneficiários da Previdência Social e de trabalhadores formais, incluindo remuneração e vínculos trabalhistas. O extrato é usado para a concessão de aposentadorias e auxílios-doença, por exemplo.
Essas bases de dados são integradas?

Até hoje não. O que existe é uma autorização para consulta individual de informações, conforme demanda. Ainda assim, não há uma interação automatizada dos dados.

 

Idiana Tomazelli/Folhapress

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