Igreja dos Valadão vira cabo eleitoral de Bolsonaro com barulho nas redes

Brasil

por Anna Virginia Balloussier | Folhapress

Igreja dos Valadão vira cabo eleitoral de Bolsonaro com barulho nas redes

Foto: Divulgação

Em 2018, o pastor André Valadão deu uma entrevista para um conhecido portal evangélico, o Guia-me. Após ser questionado sobre “o risco que o país corre se a gente passar mais quatro anos nas mãos de comunistas, socialistas e de toda esquerda”, algo que por sinal considerou “muito sério”, oferece uma resposta que quatro anos depois se voltará contra ele.
A repórter pergunta se o já bolsonarista André acha possível “um cristão defender as ideologias de esquerda”. “Pior que eu acho que é possível”, diz. Segue: “Cada pessoa tem um histórico”, e como “pastor de igreja grande”, com “muitos membros esquerdistas”, não caberia a ele “dizer que [o fiel] não é crente”.
Esse André, tolerante à ideia de que um evangélico possa preferir o campo progressista, sumiu do debate público. Foi substituído por uma versão mais intransigente, que dedica seu bordão máximo ao fiel que se declara de esquerda. “‘Cê’ não é crente, não.”
Seu alinhamento incondicional ao presidente Jair Bolsonaro (PL) colocou em evidência uma das igrejas mais influentes do Brasil, a mineira Batista da Lagoinha. André é o filho do meio de Márcio Valadão, que 50 anos atrás assumiu o comando da igreja.
André é também a voz interna mais estridente do bolsonarismo. “Observe que há uma diferença entre o posicionamento público dele e o dos demais membros da família Valadão, o que impede generalizações sobre a Lagoinha”, diz Nina Rosas, professora do departamento de sociologia da UFMG que pesquisa a Lagoinha desde 2011.
“Podem votar de forma mais uniforme, mas são muito distintos na posição que adotam e nos valores que publicizam.”
Foi na celebração do meio século do patriarca na liderança, em agosto, que a primeira-dama Michelle Bolsonaro disse que o Palácio do Planalto era “consagrado a demônios” até seu marido chegar. Já no segundo turno, a internet recuperou uma foto de Ana Paula Valadão, a primogênita de Márcio, sorridente ao lado da então presidente Dilma Rousseff (PT), em 2013.
Disse à época que orava pela petista todos os dias. “Tenho uma revista com você na capa –a gente ficava sem saber se chamava você, vossa excelência, vossa senhora–, e essa foto sua está no meu closet para lembrar de orar por você.”
A própria Ana Paula veio se explicar em 2022, com camisa verde-amarela, que agora declara apoio a Bolsonaro.
É seu irmão, contudo, a ponta de lança do bolsonarismo na família. Seu nome se popularizou fora da comunidade evangélica nesta semana, após ele mentir dizendo que Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), havia determinado que ele se retratasse por acusações feitas contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Gravou um vídeo, com fundo preto de efeito dramático, afirmando que Lula não é a favor do aborto, da descriminalização das drogas e de liberar pequenos furtos.
O material foi considerado estratégico para dar a entender que Moraes o censurou. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) comentou: “A cada censura um tiro no pé. Todos sabem que não foi o senhor que escreveu este absurdo”.
Mas o TSE nem sequer havia decidido algo. Enviou-lhe apenas uma intimação para que ele, se quisesse, se defendesse numa ação proposta pela coligação lulista. E Moraes não tinha a ver com o caso, que está a cargo de outra ministra.
André é o Valadão mais engajado na campanha de Bolsonaro. Ele vive em Orlando e, em janeiro, recebeu na sede local da Lagoinha aliados do presidente. Estavam lá o ministro Fábio Faria (Comunicações), um gripado Nikolas Ferreira (PL-MG), vereador que nove meses depois daria à luz a maior votação para deputado federal do país, e o blogueiro Allan dos Santos, foragido da polícia brasileira.
No mesmo mês, o pastor abriu o púlpito para um filho do presidente. “Eduardo Bolsonaro, vem cá, precioso, querido.” Ele foi e disse que “o comunismo é uma bactéria esperando o sistema imunológico e suas defesas baixarem para voltar”.
A política hoje predomina nas redes sociais de André. Uma de suas marcas é abrir uma caixa de perguntas e respostas no Instagram, onde 5,5 milhões o seguem.
Ali rebate, inclusive, quem claramente discorda dele. À pessoa que quis saber “por que passa tanto pano para Bolsonaro”, disse que não estava fazendo isso. “Quem me segue desde antes de 2010 sabe que eu sempre fui contra o Lula e o PT.”
Fabulou uma categoria à parte para alguns de seus críticos: seriam “a geração do ‘transcristão’, onde muitos não são cristãos mas se sentem e se acham cristãos”.
Não que temas mais frugais não tenham vez. Há quem indague o que ele pensa de “mulheres cristãs fazerem academia” (acha maravilhoso) e de crentes no Rock in Rio (não recomenda).
“André sempre foi polêmico”, diz a socióloga Nina Rosas. “Há relatos de membros da igreja de que a saída dele para os EUA foi, além da expansão da igreja para o sul da Flórida, uma conveniência por ser de temperamento difícil e ter convicções bem contundentes.”
Teologicamente, a Lagoinha sempre foi plural. Os fiéis vão de César Menotti e Fabiano, a dupla sertaneja, ao deputado André Janones (Avante-MG), cabo eleitoral de Lula que já arrumou briga virtual com André.
Criada em 1957, a igreja acabou excluída da Convenção Batista Brasileira sete anos depois. Uma das hipóteses é a de que tenha se pentecostalizado demais para a tradição batista, abarcando experiências como o dom de línguas e de cura. É o que chamamos de igreja avivada, ou “carismatismo protestante”, na definição de Rosas.
Há outro paralelo com pentecostais: a retórica persecutória. “A crença de que demônios –principados e potestades– estão em guerra contra os cristãos para impedi-los de viver a vida plena que Deus a eles destinou”, diz a socióloga. Tais inimigos espirituais são associados a adversários específicos na realidade concreta. Podem ser o feminismo, o comunismo, a educação sexual nas escolas. Pode ser Lula.
O pastoreio de Márcio Valadão se inicia em 1972, e com ele uma era expansionista da Lagoinha. A Diante do Trono, banda liderada por Ana Paula Valadão, ajudou a projetar nacionalmente a igreja.
Em 2010, o grupo esteve no Domingão do Faustão, sua estreia na Globo. Ana Paula explicou que a música gospel podia ser ouvida por qualquer um. “Mas eu quero te dizer uma coisa, é um pouco perigoso. Porque quando a gente começa a ouvir sobre o amor de Deus, sabe, vai enchendo nosso coração. Jesus disse que o Reino de Deus é como fermento, que um pouquinho colocado na massa leveda a massa toda.”
Hoje ela tem uma igreja própria, na Flórida.
Além de elevar a música gospel a um profissionalismo ainda raro no meio, a igreja foi pioneira na seara virtual. Sob o slogan “mais que um portal -a sua igreja na internet”, o Lagoinha.com ganhou prêmios iBest nos anos 2000. Recentemente, fundou o LagoVerso, para realizar cultos num metaverso com avatares de fiéis.
André recorreu às redes, mais uma vez, para refutar um seguidor que desaprovou a iniciativa. “No metaverso pessoas fazem negócios, se prostituem, apostam e por aí vai. Tava já na hora da igreja chegar lá. Você é mais um dos atrasados que tem um celular hoje na mão, mas um dia disse que TV era do diabo, e internet também.” “Cê” não é crente, não.

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