Gilmar trava há mais de 2 anos apuração da Lava Jato contra presidente do partido de Bolsonaro

Brasil

Apuração da Lava Jato que tem entre seus investigados Valdemar Costa Neto, chefe do PL, partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, aguarda há mais de dois anos uma decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes para ter prosseguimento na primeira instância.

Em recente ofício ao magistrado, a 11ª Vara Federal Criminal de Goiás reiterou pela quarta vez o pedido para que o material desse caso seja enviado àquela seção judiciária, responsável por investigações sobre desvios na Valec, estatal que cuida das ferrovias no país. Procurado, o ministro não respondeu.

O caso parado com Gilmar, um crítico da Lava Jato, envolve suspeita de propina em contratos da estatal com a Odebrecht. De acordo com delatores da construtora, sem os repasses, Valdemar “ameaçava promover retaliações durante a execução do contrato, já que tinha controle sobre a Valec”.

Segundo executivos da empreiteira, teriam sido repassados ao grupo político liderado pelo chefe do PL ao menos R$ 4,3 milhões em propina. A reportagem procurou Valdemar por intermédio de sua assessoria, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Em fevereiro de 2020, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu a Gilmar para que o inquérito fosse transferido à Justiça Federal em Goiás por não haver o envolvimento de nomes com prerrogativa de foro.

A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que, naquele estágio das apurações, as suspeitas contra o aliado do presidente vinham sendo confirmadas “por evidências documentais que relatam pagamentos de vantagem indevida ao grupo político do ex-parlamentar Valdemar Costa Neto”.

“Esse cenário probatório, ao menos tal qual delineado atualmente, aponta para a prática, pelos investigados, dos crimes de corrupção e de lavagem de capitais”, disse a representante da PGR.

Os pagamentos de vantagens indevidas, de acordo com ela, tiveram como contrapartida a contratação e a manutenção da Odebrecht nas obras da Ferrovia Norte-Sul.

Gilmar chegou a negar um pedido de advogados para que o inquérito fosse arquivado, acatando argumento da Procuradoria de que a interrupção impediria o esgotamento das hipóteses de apuração, que, além de viáveis, vinham sendo paulatinamente corroboradas por novos elementos.

O pedido para a remessa do caso à Justiça Federal de Goiás, entretanto, segue pendente. A Folha abordou o assunto com a PGR, mas também não recebeu um posicionamento.

Expoente do centrão, grupo político antes criticado pelo atual presidente, Valdemar se tornou um aliado no momento em que Bolsonaro precisou de apoio no Congresso em meio às crises sanitária e econômica decorrentes da pandemia da Covid-19. Assim, o PL ampliou sua participação em diferentes setores do governo de Bolsonaro, que se elegeu com a promessa de acabar com o chamado “toma lá dá cá” político.

A sigla emplacou a deputada Flávia Arruda (DF) no comando da Secretaria de Governo e também fez indicações ao Ministério da Saúde, ao Banco do Nordeste e ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), que, só em 2021, reuniu R$ 54,4 bilhões. Ligado ao Ministério da Educação, o fundo executa a maioria das ações e de programas da educação básica, como alimentação e transporte escolar.

No final do ano passado, a aliança se fortaleceu após Bolsonaro se filiar ao PL para buscar a reeleição.

Valdemar responde ainda a uma outra acusação da Lava Jato: em 2019, a Procuradoria da República em Goiás denunciou ele e outras seis pessoas. Segundo o Ministério Público Federal, o grupo, em troca de propina, agiu para fraudar licitações da Valec destinadas à Ferrovia Norte-Sul entre 2000 e 2011.

Parte da propina foi, de acordo com a Procuradoria, solicitada e paga em espécie. Outra parte teria sido dissimulada como doação oficial, regularmente declarada à Justiça Eleitoral, para as campanhas do partido nos anos de 2010, 2012 e 2014, quando o PL ainda se chamava PR.

A acusação do MPF, que se baseou em inquéritos, acordos de leniência e colaborações premiadas de executivos de empreiteiras como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Carioca Engenharia e UTC, diz que Valdemar dava sustentação política a José Francisco das Neves, o “Juquinha”, ex-presidente da Valec.

A Justiça Federal de Goiás aceitou a denúncia, mas a defesa de Valdemar alegou que a descrição contida no processo se referia a possível crime eleitoral, em especial ao afirmar que parte da suposta vantagem indevida teria sido dissimulada como doação oficial. Por isso, a ação deveria mudar de jurisdição.

Apesar de a Procuradoria defender a manutenção do caso em Goiânia, a 11ª Vara Federal Criminal acatou os argumentos do chefe do PL, dizendo que a decisão está em linha com recente entendimento do STF segundo o qual o pagamento de vantagens ilícitas por meio de doações eleitorais oficiais, como forma de ocultar e dissimular sua origem e natureza ilícitas, possui conotação eleitoral suficiente para caracterizar infrações penais eleitorais. A ação corre agora na 1ª Zona Eleitoral do Distrito Federal.

 

Marcelo Rocha/Folhapress

Deixe sua avaliação!

Mais Notícias de Brasil