Expostos ao coronavírus, entregadores de delivery atuam sem proteção

Brasil

por Folhapress

Expostos ao coronavírus, entregadores de delivery atuam sem proteção

Foto: Reprodução / Agência Brasil

A pandemia do novo coronavírus expõe a fragilidade da relação informal entre os entregadores cadastrados em plataformas digitais e as empresas de delivery. Apesar do aumento da demanda pelas entregas, um serviço considerado essencial durante o isolamento social, os profissionais reclamam da falta de assistência.

A categoria também pede para ser incluída entre os grupos prioritários na campanha de vacina contra a gripe, a exemplo do que o Ministério da Saúde fez com outros profissionais essenciais.

Com as escolas fechadas, a pasta adiou a vacinação dos professores e crianças de seis meses a menores de seis anos e antecipou a de motoristas do transporte público, caminhoneiros e portuários para a segunda fase da campanha, a partir do dia 16 de abril.

Para o médico infectologista Munir Ayub, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, os entregadores também deveriam estar entre os prioritários. A vacina não protege da Covid-19, mas combate casos de gripes em pessoas mais vulneráveis e diminuirá o fluxo de pessoas nos hospitais.

O Ministério de Saúde diz que o plano pode ser revisado, mas, até a sexta-feira (3), não havia previsão de nova mudança.

“O ideal é uma portaria extra para incluí-los, mas há uma quantidade de vacinas limitadas. Não é simples. Como vai provar quem é motoboy? O serviço de entrega normalmente não tem vínculo empregatício”, diz Ayub.

Com estoque de 75 milhões de doses, a campanha começou no dia 23 e, em dez dias, ainda na primeira fase, já aplicou 15,6 milhões de doses entre idosos e profissionais da saúde.

“Seria necessário ampliar para os profissionais essenciais, mas a quantidade de vacinas é necessária para os grupos de risco”, afirma Leonardo Weissmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas.

A União Geral dos Trabalhadores solicitou uma reunião por teleconferência com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para levar as demandas dos entregadores. Entre elas, a inclusão no calendário de administração das doses.

“Queremos mostrar a nossa condição, porque não adiantar fechar o restaurante e, se não tiver cuidado para os entregadores, o vírus poderá se espalhar”, disse o presidente do sindicato dos motoboys do Estado de São Paulo (SindimotoSP), Gilberto Almeida dos Santos, o Gil.

A classe também reclama que os trabalhadores não receberam equipamentos de prevenção em meio à pandemia. A reportagem apurou que alguns recorreram até à balaclava.

Nesta segunda-feira (6), clientes do Rappi receberam mensagem de entregadores pedindo gorjeta para comprar máscara e álcool em gel. “Nós entregadores dos app Rappi e Ifood estamos entrando em contato com todos os clientes pedindo colaboração de uma gorjeta, pois estamos expostos ao coronavírus e os app não estão reconhecendo isso”, dizia o texto.

Em meio à pandemia da Covid, o Ministério Público do Trabalho emitiu nota técnica com uma série de medidas a serem tomadas pelas empresas de transporte de mercadorias e de passageiros por plataformas digitais.

O documento, elaborado no último dia 19, exige que essas companhias forneçam gratuitamente para o entregador álcool em gel (70% ou mais), lavatórios com sabão e papel toalha, espaço e serviço de higienização para os veículos e água potável para o consumo desses profissionais.

A reportagem entrou em contato com Ifood, Uber, Rappi, Loggi e 99. Cada qual informou que foram adotadas medidas de orientação e prometeu a entrega de kits com produto de limpeza, máscara e álcool gel. A Rappi não retornou até o fechamento deste texto.

A relação informal e a concorrência também levam os entregadores a atender mais de um aplicativo, o que ajuda a isentar a responsabilidade de uma empresa específica. Esse modelo é conhecido como “gig economy”, no qual as empresas de tecnologia operam como intermediárias conectando oferta e demanda.

Sindicalistas e motoqueiros dizem que as regras orientadas pelo Ministério Público do Trabalho ainda não foram cumpridas. “Álcool gel não nos deram nem o cheiro”, ironiza Dayswis Maia, 37. “Eu comprei o meu, mas muitos não têm condição financeira.”

Pai de dois filhos e motoqueiro no Rio de Janeiro, Maia era entregador de uma empresa, com registro na carteira de trabalho, até o último dia 30. Com a estagnação das atividades comerciais após o fechamento de empresas, bancos, escritórios e cartórios, foi demitido e voltou para as plataformas digitais.

“Emprego nessa crise vai ser difícil, voltei a fazer aplicativos para sobreviver. No começo foi possível ganhar dinheiro. Hoje, com a concorrência, inclusive dos entregadores de bicicletas, que têm fretes mais precários ainda, é um trabalho somente para sobreviver”, diz Maia.

Para Fernando Souza, presidente do Sedersp (Sindicato das Empresas Distribuidoras das Entregas Rápidas), a tendência é que, a partir de abril, motoboys percam seus empregos e façam como Maia.

“A demanda diminuiu em mais de 50% com a clientela de escritórios”, afirma Souza.

A entidade estima que São Paulo reúna 180 mil entregadores, que circulam 24 horas pelas ruas de São Paulo. Desses, 70 mil trabalham na informalidade.

Nas redes sociais, os motoboys também reclamam da falta de bases de apoio e de um espaço pelo menos com banheiro diante das longas jornadas. “As empresas não estão dando suporte para os motoboys, estamos ao Deus dará na rua e esperando pelo serviço”, postou Everaldo Cordeiro.

Em nota enviada à reportagem, a Ifood disse que, a partir do dia 6 de abril, colocará vans em diversos pontos das cidades e que os entregadores serão convocados para coletar seus kits de álcool gel e material informativo.

“A ação se inicia por São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Brasília, Porto Alegre e Curitiba, que, juntas, correspondem a 60% dos casos de Covid-19 no Brasil. A partir do dia 6 de abril, a distribuição já estará em 18 cidades”, diz a nota.

A companhia também diz que tem dois fundos, um de R$ 1 milhão, para o profissional que se infectar pela Covid-19, e outro, no mesmo valor, para motoqueiros no grupo de risco (com mais de 65 anos e doenças preexistentes) permanecerem isolados.

A Uber, que opera o delivery Eats, informou que, além de a empresa ter passado orientações sobre como pedir para o entregador deixar o pedido na porta, os parceiros podem adquirir álcool gel e produtos de limpeza e que serão reembolsados, mediante apresentação de nota fiscal.

A 99, que opera o seu serviço de delivery somente nas cidades mineiras de Belo Horizonte e Divinópolis, afirmou que os entregadores vão poder retirar, “na próxima semana e gradualmente, kits contendo máscaras e álcool em gel 70% para higienização de mãos, bolsas e guidão.”

Uber e 99 também anunciaram um fundo para ajuda financeira caso o colaborador seja infectado pelo coronavírus. O repasse será feito com base na média dos rendimentos em meses anteriores.

A Loggi, com 40 mil entregadores e uma média de 100 mil entregas por dia de documentos e mercadorias em geral, informou que, por conta da fila de espera nos fabricantes de álcool gel, ocorreu um atraso. “Estimamos que estará resolvido em todo Brasil em breve”, diz a nota

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