Em reunião fechada, Bolsonaro se retrata por críticas à China
Brasilpor Patrícia Campos Mello e Talita Fernandes | Folhapress
Em encontro reservado com os líderes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Jair Bolsonaro (PSL) fez uma retratação sobre as críticas feitas por ele à China durante as eleições.
Segundo relatos feitos à reportagem por participantes da reunião desta quinta-feira (14), Bolsonaro disse ter falado mal do país asiático em 2018, na condição de candidato, mas afirmou que hoje todos sabem que isso não reflete a verdade.
A declaração foi feita pela manhã, durante a sessão fechada da 11ª Cúpula de Líderes do Brics, no Palácio do Itamaraty, em Brasília.
Além de Bolsonaro, estavam presentes os líderes da Rússia, Vladimir Putin, da China, Xi Jinping, da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e da Índia, Narendra Modi.
Em fevereiro de 2018, quando viajou a Taiwan, o então deputado federal disse que os chineses estavam comprando o Brasil. O tom se manteve ao longo de toda a corrida presidencial, levando a um mal-estar com o governo chinês.
Para desfazer o clima ruim com o gigante asiático, o vice-presidente, Hamilton Mourão, fez uma viagem oficial no primeiro semestre deste ano que serviu como precursora da comitiva liderada por Bolsonaro que pousou na China em outubro.
O presidente brasileiro é crítico de governos de esquerda e comunistas e costumava inserir a China nesse grupo. É frequente em suas declarações a desaprovação de regimes como o de Cuba e da Venezuela.
De olho no investimento chinês no Brasil, ele começou a mudar o tom. Ao chegar a Pequim, no mês passado, Bolsonaro disse não se sentir constrangido, porque estava em um país capitalista.
O encontro bilateral com Xi foi o primeiro dos quatro dos quais o presidente brasileiro participou e o único a ser realizado no Palácio do Itamaraty, à margem da Cúpula do Brics. Na reunião privada, os dois trocaram gentilezas, e Bolsonaro disse que gostaria de levar a primeira-dama, Michelle, para conhecer a China.
Mesmo na declaração final da cúpula, o Brasil acabou aceitando a inclusão de alguns tópicos que são prioritários para a China e desagradam aos Estados Unidos. O texto ecoou vários dos discursos de Xi durante a cúpula ao condenar medidas unilaterais e protecionistas, contrárias às regras da OMC (Organização Mundial do Comércio)—uma referência clara à guerra tarifária travada pelos EUA contra a China.
O principal tema da conversa privada com os líderes do Brics foi soberania. Segundo participantes, Bolsonaro acabou não fazendo um discurso que estava previsto, cujo principal tema era o combate ao globalismo.
Na conversa, Bolsonaro também criticou a demarcação de terras indígenas para os líderes presentes, segundo relatos feitos à reportagem. Ele disse que governos anteriores do Brasil foram antipatrióticos por reservarem terras cheias de minérios para indígenas e deu a entender que isso não acontecerá mais.
Nos últimos três meses, a China “socorreu” o Brasil em dois momentos internacionais importantes. Durante a avalanche de críticas contra a política ambiental de Bolsonaro para a Amazônia, a China foi um dos únicos países que ofereceram apoio ao mandatário brasileiro.
O número dois da embaixada da China no Brasil, Qu Yuhui, afirmou na época ao jornal O Globo que a política ambiental do Brasil era uma das mais rigorosas do mundo e que a crise era fabricada.
Durante a cúpula do Brics, Bolsonaro agradeceu a Xi Jinping em várias ocasiões pelo que chamou de reconhecimento da soberania brasileira sobre a Amazônia.
Depois, como revelou reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a China salvou o megaleilão do pré-sal de um fiasco.
Para evitar a ausência de interessados estrangeiros no leilão, o presidente Bolsonaro pediu a Xi Jinping que as petroleiras chinesas participassem do certame.
O pedido ocorreu durante a visita de Bolsonaro à China, em outubro. Naquele momento, o governo brasileiro já temia que não houvesse interesse estrangeiro pelos campos leiloados.
A previsão estava correta: as 17 grandes petroleiras mundiais não quiseram participar do leilão. As petroleiras CNOOC e CNODC, controladas pelo governo chinês, entraram com participação de 5% cada uma no consórcio que arrematou o campo de Búzios. Não fosse por elas, o Brasil teria vendido apenas para si mesmo, como afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes.
O governo mantém seus dois objetivos para a relação com a China. O primeiro é aumentar o valor agregado das exportações brasileiras para os chineses, hoje muito concentradas em commodities —nesse tema, ainda não há nenhuma sinalização concreta da parte dos chineses.
O segundo objetivo é atrair investimentos da China em infraestrutura no Brasil —e Xi acenou durante a cúpula com uma maior atuação da Iniciativa Cinturão e Rota, que fomenta projetos considerados estratégicos por Pequim e oferece financiamento do Banco de Desenvolvimento da China.
Bolsonaro está tentando conciliar dois movimentos antagônicos dentro do governo: um do núcleo mais ideológico, que prega alinhamento automático com os Estados Unidos, e outro mais pragmático, que reconhece a necessidade de intensificar relações com a China.
Esse equilíbrio do Brasil entre demandas da China e EUA será testado no segundo semestre do ano que vem, durante o leilão do 5G. Os EUA pressionam para que o Brasil barre a gigante chinesa de telecomunicações Huawei do fornecimento, afirmando que ela representa uma ameaça à segurança nacional.
Os chineses oferecem o pacote mais barato, na comparação com os concorrentes (Ericsson e Samsung), e podem retaliar o Brasil em áreas importantes, caso sejam excluídos do fornecimento. Até agora, só a Austrália, Nova Zelândia, Japão e Vietnã se renderam às pressões dos americanos.