Câmara ensaia afrouxar financiamento de candidaturas de negros

Brasil

O grupo de trabalho montado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para apresentar um projeto de minirreforma eleitoral recolheu propostas que incluem o corte de mais da metade da verba de campanha destinadas a negros, além de uma série de pontos que fragilizam a transparência e a punição a irregularidades cometidas por partidos e candidatos.

A ideia dos parlamentares é formatar um projeto ainda nesta semana e, depois, votá-lo a toque de caixa na Câmara e no Senado. O objetivo é analisar a matéria a tempo para que as mudanças possam valer já nas eleições municipais do próximo ano.

Para isso, todas as alterações têm que estar sancionadas pelo presidente Lula (PT) em até um mês, em respeito à exigência de anualidade para novas regras eleitorais.

Nas últimas semanas, o grupo de trabalho fez audiências públicas para debater o tema e elaborou um resumo das principais propostas, que circula entre os parlamentares. O relatório final do grupo deve ser concluído nesta semana e a tendência é que a maioria dos pontos listados pelos parlamentares esteja contemplada.

O texto prévio mostra que um dos itens avaliados é estabelecer um piso de 20% de destinação das verbas de campanha a candidatos pretos e pardos.

Se aprovada, a medida possibilitaria cortar mais da metade do dinheiro de campanha de negros, que hoje precisa ser, por decisão da Justiça Eleitoral, proporcional ao número de candidatos. Em 2022, pretos e pardos somaram 50,27% dos postulantes.

Em tese, a legenda que destinar um valor inferior ao estabelecido pela Justiça Eleitoral deveria ser punida. Se a mudança na legislação for aprovada, só sofreriam sanções as siglas que não cumprissem o novo mínimo de 20%.

A cota feminina também pode ser alvo, já que a minuta que circula entre os parlamentares abre a brecha para que a verba destinada a elas seja usada para custear passagens, segurança e até “cuidado que as mulheres têm que desenvolver” —sem esclarecer o que isso significa exatamente.

A verba para as candidaturas de mulheres também tem que ser proporcional ao número de candidatas lançadas, que nunca pode ser menor do que 30%.

Outros pontos da minuta pretendem simplificar a exigência de prestação de contas, entre elas a necessidade de comprovação de gastos de combustíveis.

O prazo que os candidatos são obrigados a informar os recursos de campanha recebidos também é esticado de três para cinco dias, segundo o anteprojeto obtido pela Folha.

A maior mudança estudada nessa área pretende tornar inócuas as prestações de contas que os candidatos fazem ainda durante a campanha.

Pela proposta em análise, omissões nessa contabilidade parcial não resultariam em punição a partidos e candidatos, que só estariam obrigados na prestação de contas final a informar corretamente a movimentação de campanha.

Pela lei atual, os candidatos têm que apresentar a prestação de contas parcial até o dia 13 de setembro, com a discriminação de todas as suas receitas e despesas realizadas até 8 de setembro.

Resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) estabelece que “a não apresentação tempestiva da prestação de contas parcial ou a sua entrega de forma que não corresponda à efetiva movimentação de recursos caracteriza infração grave, salvo justificativa acolhida pela Justiça Eleitoral, a ser apurada na oportunidade do julgamento da prestação de contas final”.

Em vários julgamentos, ministros do TSE já haviam manifestado a intenção de elevar o rigor na cobrança de uma prestação de contas parcial fidedigna.

A proposta discutida na Câmara fragiliza ainda o instituto das federações, modelo criado pelo Congresso Nacional antes da última eleição para ajudar pequenos e médios partidos que podiam desaparecer. Na federação, as legendas que a compõem são obrigados a agir de forma conjunta na legislatura seguinte.

O grupo de trabalho da minirreforma eleitoral estuda vetar que irregularidades cometidas por alguma das legendas possa afetar a federação como um todo. Há ainda a proposta de liberar que políticos troquem de partido livremente dentro da federação.

A minuta também pretende proibir bloqueios nos repasses do Fundo Eleitoral, a principal fonte de recursos das campanhas, que em 2022 distribuiu R$ 5 bilhões aos candidatos. O Congresso articula elevar esse valor para a disputa de 2024.

O documento prévio elaborado pelo grupo trabalha ainda com a ideia de liberar doações aos candidatos por meio do Pix, além de elevar o número de candidatos permitidos nas campanhas.

O grupo de trabalho da minirreforma eleitoral é presidido pela filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, a deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ). Rubens Pereira Jr. (PT-MA) é o relator da proposta.

A discussão se insere na tradição do Congresso de se debruçar em todo o ano pré-eleitoral sobre mudanças para fragilizar regras de fiscalização e controle.

O argumento dos políticos é que regras criadas por eles mesmo têm atrapalhado de forma burocrática o funcionamento dos partidos, das eleições e da própria democracia, além de interpretações restritivas dadas pela Justiça Eleitoral da legislação em vigor —a cota para negros é dada como exemplo por vários deles de interferência indevida do Judiciário nas atribuições do Congresso.

Esse grupo só foi criado, porém, porque outra reforma bem mais ampla não prosperou. Em 2021, a Câmara aprovou a revogação de toda a legislação eleitoral ordinária, substituindo-a por um único código, com 898 artigos.

O projeto está desde então em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), prometeu a presidentes de partidos apresentar seu parecer ainda neste mês.

Em uma terceira frente, a Câmara também articula o maior perdão da história a partidos e candidatos, a PEC da Anistia, em tramitação em uma comissão especial. Ela visa livrar as legendas de punição pelo desrespeito à transferência de recursos a mulheres e negros nas eleições, além de outras irregularidades.

 

João Gabriel e Ranier Bragon/Folhapress

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