Advogada de Bolsonaro vê ação frágil contra ele no TSE e defende Zanin no STF
BrasilA advogada Karina Kufa, que atua para Jair Bolsonaro (PL) em cerca de 50 processos, mas não o representa na ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que pode torná-lo inelegível, diz ver fragilidade na acusação contra o ex-presidente por atacar as urnas eletrônicas em reunião com embaixadores.
Kufa também defendeu em entrevista à Folha o direito de Lula (PT) indicar seu advogado e amigo Cristiano Zanin para a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). “Não há nada que o impeça. É prerrogativa do presidente”, afirma ela, que se declara de direita.
A advogada, que também atende Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e diz ter como clientes outros cerca de 40 deputados federais, ganhou notoriedade no governo anterior e estava na linha de frente da criação da Aliança pelo Brasil, partido que abrigaria o bolsonarismo e acabou naufragando.
Para Kufa, a ação contra o ex-presidente no TSE carece de elementos suficientes para tirá-lo das eleições por oito anos. “Não vejo nessa ação argumentos sólidos para uma inelegibilidade, principalmente de um candidato a presidente”, diz ela, que fala em banalização desse tipo de punição no país.
A advogada considera problemáticas as cassações de parlamentares por causa de candidaturas laranjas de mulheres, por entender que muitos casos têm sido julgados sem provas contundentes.
“É horrível lançar essas candidaturas, sem dúvida nenhuma. Mas, para quem está no dia a dia, fica sempre a dúvida de quando é laranja e quando não houve preparo da candidata. E a Justiça está aceitando presunção de prova. Isso é muito perigoso, porque se baseia em suposições”, diz.
“Cassação e inelegibilidade são coisas muito sérias. Não pode banalizar.”
Bolsonaro é representado no caso no TSE por Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, que foi advogado de sua campanha à reeleição e é ex-ministro da própria corte.
Kufa refuta a ocorrência de abuso de poder político no episódio com os embaixadores em 2022. Na ocasião, o então mandatário fez acusações contra o sistema eleitoral sem apresentar provas. “Acreditando no direito, a expectativa é que ele não tenha a inelegibilidade declarada”, afirma ela.
A advogada também contesta a inclusão no processo da minuta golpista encontrada pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. Para ela, trata-se de uma extrapolação do marco temporal para apresentação de provas, sem observar o prazo para adicionar elementos.
Kufa evoca ainda o princípio da anualidade, segundo o qual mudanças de legislação têm que ser firmadas até um ano antes das eleições, e diz que a expansão do limite para aceitar novas provas pode configurar uma mudança de entendimento que estaria em desacordo com a regra.
“Seguindo o direito, se esperarmos um julgamento estritamente legal, ele [Bolsonaro] não fica inelegível.”
Para a advogada, o debate sobre urnas eletrônicas e outros sistemas de votação “é totalmente democrático e legítimo”, mas o erro foi “depois de posto o sistema, questioná-lo”. Ela diz que a discussão deveria ter se dado no Congresso, com especialistas, e distante de ano eleitoral.
“Alguns políticos ficaram irritados e se expressaram de uma forma inadequada. Se as declarações fossem todas feitas no caminho de busca de alternativas, não teria problema nenhum, mas foi extrapolando”, segue ela, que vê responsabilidade “de todos os envolvidos”, inclusive Bolsonaro.
Kufa afirma já ter aconselhado o ex-presidente a recuar e amenizar os embates com o Judiciário. Relata ter dado a mesma recomendação ao então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), quando negociava para se tornar sua defensora. Como “ele fez tudo ao contrário”, ela se afastou.
A advogada diz enxergar Bolsonaro “com um perfil mais tranquilo depois da eleição”, mas evita relacionar o comportamento ao cerco que enfrenta, com ações e investigações em diferentes esferas do Judiciário. “Passando o clima eleitoral, as discussões mais fervorosas também passaram”, contemporiza.
Kufa também está em sintonia com o cliente —que se limitou a dizer que é “competência privativa do presidente”— na opinião sobre a escolha de Zanin para o STF.
“É assim não só no Brasil, mas em vários países”, diz a advogada. “Do ponto de vista da Constituição, não vejo problema nenhum. Ele atende aos requisitos. Isso não fere o princípio da impessoalidade, absolutamente nada. Se quiserem criar um outro formato, que o Legislativo trabalhe nisso.”
Para ela, é equivocado enxergar a escolha como algo que “fica inteiramente na mão do presidente da República”, já que o candidato enfrenta uma sabatina no Senado.
Kufa faz um paralelo com uma situação de 2020, quando foi ventilado para o STF o nome de Jorge Oliveira, amigo de Bolsonaro há décadas e então ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Ela diz que na época foi favorável, pelas mesmas razões do caso de Zanin. “Os questionamentos eram sobre a proximidade dele com o presidente e a [escassa] titulação acadêmica. E isso não é problema. Ele não tinha nenhum empecilho.” O escolhido para a vaga acabou sendo Kassio Nunes Marques.
Para a advogada, a atuação de Zanin no STF passará por outros mecanismos de controle além da suspeição e do impedimento, aplicados quando o ministro é impossibilitado de julgar um caso. Ela lembra que decisões monocráticas são submetidas às turmas ou ao plenário da corte.
Kufa diz endossar a decisão de Lula por coerência. “Como defendi [no caso] do Jorge, que era uma pessoa ligada ao meu cliente, faço a mesma defesa do outro lado. Estou falando realmente o que penso.”
Ela critica a esquerda, no entanto, por “pregar uma coisa e fazer outra” quando o assunto é igualdade de gêneros. É uma referência à escolha de um homem para a cadeira no Supremo, que pode se repetir na próxima indicação que caberá a Lula, quando a ministra Rosa Weber se aposentar.
A advogada, que se define como feminista, diz que ouviu do próprio Bolsonaro e de assessores próximos o compromisso de que ele, caso fosse reeleito, escolheria uma mulher para o lugar de Rosa. “E muitos até brincavam: ‘Ah, no nosso meio a que é mais qualificada é a Karina’”, afirma.
Ela concorda com a pressão de militantes pela indicação de mulheres para o STF e cita a baixa presença feminina na cúpula dos órgãos do Poder Judiciário. Para Kufa, aumentar a representatividade é também uma forma de deixar mais plural a formação das decisões.
“É importante que o Supremo não só preserve as duas vagas atuais, mas aumente o número de mulheres na sua composição. O ideal era ter metade, mas perder mais uma vaga é triste demais, é um retrocesso.”
Joelmir Tavares/Folhapress