Acusado de receber propina tenta voltar à Receita com base em decisão de Toffoli
Brasilpor José Marques e Wálter Nunes | Folhapress
Réu em duas ações sob acusação de receber R$ 2 milhões em propina para aliviar cobranças sobre empresas, um auditor afastado da Receita Federal tenta retornar ao órgão usando como justificativa uma decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em julho passado, Toffoli suspendeu todas as investigações do país que usam dados detalhados de órgãos de controle sem prévia autorização judicial. Na ocasião, o ministro concedeu uma liminar atendendo a um pedido de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, filho do presidente Jair Bolsonaro e que era alvo de uma apuração do Ministério Público do Rio.
O plenário do Supremo analisará esse tema na próxima quarta-feira (20).
Foi no âmbito dessa suspensão que Toffoli intimou o Banco Central e a Receita para enviarem a ele todos os relatórios financeiros e todas as representações fiscais, o que provocou reações nos meios jurídico e político. Na sexta (15), o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a revogação da medida do presidente do STF, caso revelado pela Folha de S.Paulo. Toffoli, porém, negou o pedido no mesmo dia.
O auditor Eden Siroli Ribeiro foi retirado do posto em outubro do ano passado, quando foi deflagrada a Chiaroscuro, segunda fase da Operação Descarte, que apura suspeitas de lavagem de dinheiro e repasses irregulares a empresários e políticos. Sua defesa nega que ele tenha cometido irregularidades.
Como usa informações compartilhadas pela Receita Federal, a investigação caiu no grupo de ao menos 700 procedimentos judiciais travados com a decisão de Toffoli.
Além da Receita, a decisão paralisou processos que utilizavam dados do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), agora rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira).
O auditor que tenta voltar ao cargo foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob acusação de lavagem de dinheiro e recebimento de vantagens indevidas em dezembro do ano passado e em julho deste ano.
Um dos apontados pela Procuradoria como suposto operador de propinas para Eden é o advogado Thiago Taborda Simões, que já foi conselheiro do Carf (Conselho Administrativo da Receita Federal), órgão administrativo que julga processos em segunda instância na Receita.
Em novembro, policiais federais e funcionários da Receita cumpriram um mandado de busca e apreensão na casa de Simões e encontraram no local um crachá da equipe de transição do governo Bolsonaro.
Na ocasião, o advogado admitiu à Folha de S.Paulo, via sua assessoria, que teve dois encontros com a equipe de Paulo Guedes (hoje ministro da Economia) como especialista convidado.
Teria atuado, segundo ele, como consultor em assuntos tributários. Simões é ligado ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, e seu irmão, Arthur, que integraram a equipe de transição na área econômica. Arthur hoje é secretário especial da Presidência.
Um episódio recente ilustra a proximidade do advogado com os irmãos. Foi a Simões que Arthur Weintraub recorreu quando decidiu processar por dano moral uma aluna sua da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) que o acusou de ser “mau-caráter”.
Isso apesar de Simões ser tributarista, quando o normal para esse tipo de processo é que fique a cargo de um especialista na área cível.
Além de Simões, outro advogado é um dos principais alvos da operação, Luiz Carlos Claro, que canta músicas italianas sob o nome artístico de Lulli Chiaro –daí vem o nome da operação.
Segundo as investigações, o auditor Eden teria recebido repasses de duas empresas em 2014 e, em troca, feito uma fiscalização que pudesse ser contestada e revertida em instâncias superiores da Receita.
Na mesma época que, segundo a acusação, Eden teria recebido propina, começou a comprar imóveis com pagamentos em espécie. Isso gerou suspeita dentro da própria Receita e motivou a abertura de uma sindicância para analisar o patrimônio do auditor.
Além do dinheiro vivo, a investigação diz que uma das propinas que Eden teria recebido foi um carro modelo Porsche Cayenne (que atualmente custa a partir de R$ 435 mil). As supostas entregas foram registradas em planilha.
Em setembro, a defesa do auditor pediu à Justiça Federal em São Paulo que ele seja reintegrado à Receita. O pedido, assinado pela advogada Anamaria Prates, argumenta que ele não representa risco às investigações, tanto que não está preso, e lembra que a ação foi paralisada e aguarda julgamento do STF.
Ela sustenta que, além de Eden estar “afastado do cargo sem qualquer motivação idônea” há um ano, não há motivo para que ele não volte ao seu posto na Receita. Ainda não há decisão sobre o pedido.
Procurada, a advogada disse à reportagem que as acusações contra o seu cliente são “infundadas e frágeis”, que há diversas falhas na investigação e que não há base para sua suspensão do cargo.
“Caso haja a retirada das supostas provas da Receita, o processo não tem mais nada”, diz ela. “O mais lógico é que ele seja reintegrado, porque o processo foi paralisado por um prazo indeterminado. O julgamento pode reiniciar em novembro, mas talvez não tenha nem data para terminar. Ele não pode ficar indefinidamente com uma sanção.”
Segundo ela, seu cliente apresentou justificativas para as compras de imóveis à sindicância da Receita, que ainda não foi concluída. Diz ainda que o patrimônio dele tem origem lícita e comprovada.
A Operação Descarte é uma das mais importantes ações de combate à corrupção tocadas pelo Ministério Público e Polícia Federal em São Paulo. Em agosto, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região paralisou, com base na decisão de Toffoli, as investigações.
Além de advogados e membros da Receita, ela já cumpriu buscas e apreensões relacionadas ao ex-governador de Minas Gerais Fernando Pimentel (PT) e a aliados do deputado Aécio Neves (PSDB-MG).
Questionado a respeito dos pedidos de Eden, o Ministério Público Federal informa, em nota, “almejar que o tema seja rapidamente decidido”.
Segundo o órgão, “a paralisação de inquéritos e ações penais tem gerado inúmeros prejuízos, tais como a desmobilização de equipes de investigação, soltura de réus presos, bem como pedidos de reintegração a cargos públicos deduzidos por réus processados por corrupção no exercício das funções públicas”.
“Além disso, espera que, após análise detida da questão, a liminar seja revertida, preservando milhares de investigações, bem como zelando pela segurança jurídica, uma vez que os relatórios de inteligência existem há mais de dez anos nesse formato e jamais houve qualquer controvérsia quanto a seu uso.”
A advogada de Luiz Carlos Claro, Danyelle Galvão, afirma que ainda não tomou conhecimento do teor da denúncia apresentada em julho.
O advogado Fábio Tofic Simantob disse que “a atuação de Thiago no caso limitou-se a apresentar um advogado para conduzir a fiscalização, e não pode responder por atos ilícitos de terceiros”.