Empresários aderem a atos pró-democracia por princípio e bolso, dizem cientistas políticos
BahiaUm dos marcos na luta pela redemocratização, a Carta aos Brasileiros de 1977 inspira hoje um manifesto em defesa da democracia e do sistema eleitoral do país com uma adesão forte do empresariado brasileiro. Há 45 anos, o texto, redigido pelo jurista Goffredo Silva Telles, que denunciava a ilegitimidade do então governo militar, foi assinado principalmente por profissionais de direito, mas também recebeu apoio de lideranças empresariais, guardando algumas semelhanças com o movimento atual.
Nesta quinta (11), a carta inspirada no movimento de 1977, que já conta com mais de 780 mil assinaturas, será lida na Faculdade de Direito da USP. Um segundo manifesto em defesa da democracia, endossado por entidades como Fiesp e Febraban, também será lido no local no mesmo dia. Cientistas políticos ouvidos pela Folha se dividem, no entanto, sobre o que motiva essas manifestações políticas do empresário: o bolso ou os princípios?
“Naquela época houve um posicionamento significativo do empresariado em favor da democracia, o que foi um elemento importante naquela conjuntura. Claro que não podemos generalizar. Houve também uma parcela que continuou se mantendo mais simpática ao regime militar, mas a comparação é possível”, explica o cientista político André Singer. O apoio de vários setores empresariais ao golpe de 1964 começou a se deteriorar após o período do chamado milagre econômico (1968-1973).
“Os militares conseguiram entregar uma posição econômica favorável durante um tempo, o que justificou tudo na cabeça de muita gente. Mas, com a crise do petróleo em 1973, o governo tentou uma política mais ativa de gastos para sustentar a economia e gerou um rombo nas contas públicas, alta da inflação e uma desorganização no modelo criado pelo golpe”, afirma Vinícius Muller, doutor em História Econômica e professor do Insper.
Ele lembra que, no início dos anos 1960, uma grande parte do empresariado aceitou uma saída mais autoritária por acreditar que esse tipo de regime garantiria um ambiente mais seguro contra investidas socialistas que eram entendidas como muito ameaçadoras ao capitalismo. Para Singer, um dos fatores que impulsionou o empresariado a mudar de posição e começar a reagir contra o regime militar foi o início de um amplo programa de intervenção estatal no governo de Ernesto Geisel (1974-1979).
“Enquanto o mundo entrava em recessão, o general decidiu que o Brasil deveria continuar crescendo. O Estado estava intervindo muito na economia para manter o ritmo de desenvolvimento do país. Havia ali um estatismo, o que foi mal visto pelo empresariado, muito sensível ao avanço do Estado”, explica.
Apesar das motivações econômicas, Singer defende que, no fim da década de 1970, os empresários foram conduzidos principalmente por uma escolha política, a favor da democracia. O que se repete, segundo o cientista político, diante das ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“A democracia brasileira vem num processo de esgarçamento desde o impeachment da ex-presidente Dilma. Passou a ficar mais ameaçada a partir de 2018, com a vitória de um antidemocrata e chegamos ao ponto do atual presidente afirmar que não vai aceitar os resultados das eleições se não ganhar. E ainda anunciar isso ao mundo”, afirma Singer. Na opinião do cientista político, os empresários compreenderam que há um perigo efetivo e decidiram tomar uma decisão a favor da democracia. “Não fizeram isso nem no impeachment nem nas últimas eleições”, pontua.
Muller concorda que a posição das lideranças empresariais é historicamente bastante flexível, porém, avalia que ela é pouco ideológica. “Na maioria das vezes, o empresariado faz um cálculo de curto e longo prazo em nome da manutenção do ambiente de negócio. E, hoje, o que ele percebeu é que o risco no curto prazo da permanência de Bolsonaro é maior que uma vitória do ex-presidente Lula. Bolsonaro é muito errático, dá sinais e discursos conflituosos, o que dificulta o planejamento dos empresários e de investimentos “, diz.
Os arroubos contra o Estado democrático e o questionamento do sistema eleitoral promovidos pelo presidente geram também bastante desconfiança e queda na credibilidade internacional. “Isso tudo tem um custo muito alto”, diz o doutor em história econômica, que acredita que a grande maioria do setor é a favor da democracia.
“Diferentemente da década de 1960 e 1970, quando o socialismo era uma questão para o setor, hoje há um papo de defesa contra o comunismo, mas é minoritário e quase folclórico. Nenhum empresário acha, de fato, que o país vai virar comunista caso um candidato de esquerda ganhe”, afirma.
Para Sérgio Praça, professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV, a adesão do empresariado também pode ser atribuída às últimas medidas adotadas pelo presidente, como a PEC (proposta de emenda à Constituição) que dá passe livre para o governo driblar travas fiscais e eleitorais que impedem a concessão de benefícios em ano de eleições.
“Ficou muito difícil achar que um novo mandato de Bolsonaro consiga reerguer a economia.” Na visão do cientista político Paulo Roberto Neves Costa, da Universidade Federal do Paraná, ao longo das últimas décadas há uma tendência forte do empresariado de apenas reagir a momentos muito específicos de crise dos pilares da democracia.
O apoio atual a esse movimento pró-democracia é um exemplo disto, segundo Costa, já que as investidas antidemocráticas de Bolsonaro acontecem há tempos, mas foram consideradas mais radicais no encontro com os embaixadores, na qual o presidente da República colocou em dúvida o sistema eleitoral do Brasil. “Quando esses setores passarem a uma ação mais efetiva, se antecipando ou enfrentando problemas de médio e longo prazo, e não apenas agindo a momentos específicos, a democracia irá ganhar”, diz Costa.
Heloísa Mendonça / Folhapress