Em voto sobre Ouvidoria, desembargador do TJ critica blitz da OAB por intimidar juízes
BahiaMais um pedido de vista postergou a definição se haverá ou não Ouvidoria no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e em quais moldes o órgão será formado. O tema voltou a ser discutido na sessão plenária desta quarta-feira (14), quando o desembargador Julio Travessa proferiu o voto vista.
O TJ-BA, atualmente, tem uma função de Ouvidoria que está atrelada a uma das vice-presidências. A criação da Ouvidoria foi determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para todos os tribunais do país. Logo após a liberação do voto de Travessa, o desembargador Maurício Kertzman retirou seu voto proferido anteriormente para reformular seu entendimento.
A criação da Ouvidoria começou a ser discutida em maio deste ano (saiba mais aqui). Travessa pediu vista por discordar da forma que o cargo seria preenchido. Para o desembargador há um vício formal no texto apresentado, pois infringe artigos da Constituição Federal, por não observar o princípio da reserva legal, por criar um cargo sem previsão de aumento de despesas. O autor do voto-vista afirma que deseja evitar que o TJ-BA “construa uma agenda negativa e confronto de violação constitucional, não violando qualquer propósito do CNJ”. Ele assevera que a determinação do CNJ é para que o cargo seja constituído dentro das normas vigentes no país.
O desembargador criticou no ato o não pagamento de verbas retroativas a magistrados por falta de recursos e não se poder criar despesas neste momento de crise, e salientou que, desta mesma forma, o TJ não poderia criar um cargo sem previsão de despesas, por ser uma “violação frontal à lei orçamentária”. Travessa frisa que a lei orçamentária de 2022 não prevê nem a criação da Ouvidoria enquanto órgão, nem mesmo faz previsão do impacto financeiro para esse fim, e que o TJ deve elaborar propostas plurianual e orçamentária dentro dos limites estipulados por lei.
“Não há como, neste momento, no escuro, sem qualquer tipo de planejamento ou aparentemente dotação orçamentária para tanto, sem a transparência necessária e palatável a todos os integrantes do tribunal pleno, deste sodalício – afinal de contas o nosso tribunal foi premiado recentemente com o prêmio da transparência, né? Então nós temos que ser coerentes e fazer valer esse título, né? Aprovar uma proposta de emenda desse quilate, com as consequências financeiras, além, é claro, do perigoso precedente que provocará para assuntos posteriores a serem tratados nesta corte de Justiça”, asseverou.
Julio Travessa destacou que os desembargadores julgam conteúdos envolvendo prefeituras, câmaras municipais, secretarias do Estado, e que, por isso, não podem “cair na tentação daquele ditado popular ‘casa de ferreiro, espeto de pau’”. “É imprescindível que exista absoluta transparência e sobretudo nas contas públicas. Porque é de interesse não apenas dos agentes políticos aqui presentes e, consequentemente, votantes, mas do jurisdicionado, que é ao cabo a razão precípua tanto do Poder Judiciário quanto da Ouvidoria”, salientou.
Outro fato apontado pelo desembargador, considerado gravíssimo por ele, é o que vem acontecendo na Bahia em relação à atuação da seccional que representa os advogados. “A impressão que nós temos é que, aqui, vivemos sob uma ‘intervenção branca’ da Ordem dos Advogados da Bahia. Eu me refiro aqui à chamada blitz. Eu tenho certeza que vossas excelências – uma boa parte – não sabem desse absurdo que vem acontecendo no estado da Bahia. Aqui, os nossos magistrados, os magistrados de 1º grau e provavelmente se não houver um freio de arrumação nesse sentido, ou seja, se a legalidade não for trazida à prova, com certeza nós vamos ter blitz aqui nos gabinetes dos desembargadores no 2º grau”, criticou o desembargador a atuação da OAB da Bahia.
Para ele, a resolução precisa trazer medidas para que essas blitze da Comissão de Celeridade da Ordem pare de acontecer e garantir também a segurança ao jurisdicionado, ao magistrado e à própria advocacia. Travessa afirma que os membros da comissão têm ultrapassado “ativamente o papel da Ordem dos Advogados com movimentos que tentam, em certa medida, constranger a atuação dos magistrados”. “Não se discute evidentemente sobre a importância da Advocacia para o Sistema de Justiça, que é indispensável, consoante a redação do artigo um três da Constituição da República, inclusive como órgão de classe da referida categoria, desempenhando papel fundamental no Estado Democrático de Direito, na busca constante pela melhoria da prestação jurisdicional”, salientou.
Porém, ele diz que as blitze com intuito fiscalizatório em fóruns seriam desnecessárias, já que existem as Corregedorias do TJ-BA e o próprio CNJ para desempenhar esse papel. O desembargador diz, que, com isso, a Ordem quer “fazer correição nas varas onde os magistrados atuam, exercendo seu mister”. Ele também questionou o projeto da Ordem da Comissão de Celeridade Processual, que mapeará os processos que consideram estagnados. “O advogado tem direito de acompanhar o andamento do processo dele, mas aqui eu estou me referindo a uma entidade privada, a uma associação que está querendo mapear processos que consideraram estagnados. Injustificadamente, de acordo com as reclamações recebidas dos advogados, e providenciará o envio de ofício, e-mail, ao juízo de tramitação do feito para que aquele adote medidas de imediato”, destacou. “As citadas blitze, em verdade, apenas tumultuam o desenrolar dos trabalhos da unidade, colocando ainda mais pressão nos magistrados e servidores atuantes nas unidades jurisdicionais, como se fosse milagrosa a solução para andamento dos processos”, ponderou Travessa.
Ele avalia que as fiscalizações da Ordem resultarão em centenas de reclamações contra magistrados com “evidente intuito de pressionar e constranger ainda mais os juízes e as juízas da Bahia, que são inegavelmente produtivos”. “Os magistrados estaduais já se encontram assoberbados de trabalho e de todos os lados. Sem contar com a questão vencimental”, analisou. Travessa também classificou a blitz da Ordem como uma “violência moral” aos juízes, que estão “sofrendo diante dessa atuação ilegal”.
Nas críticas, o desembargador afirmou que não adianta a OAB pressionar os juízes por suposta morosidade processual “sem conhecer a realidade da unidade”. “Para que a gente aponte o dedo pra um lado, a gente tem que conhecer a realidade daquele lado. Saber a situação que o magistrado da Bahia está vivendo nesse momento. Sabia que eles estão sobrecarregados nos seus cartórios de processos e são os últimos no Brasil em remuneração? Então, nós precisamos compreender também a situação do outro”, declarou.
Por fim, Julio Travessa indaga que parte da proposta de criação da Ouvidoria está à disposição de como o órgão lidará com esses casos, e quais serão os procedimentos adotados por parte da Ouvidoria junto com as Corregedorias, a fim de “coibir as práticas que têm ocorrido diuturnamente”. Outro questionamento feito é se a Ouvidoria terá atribuição para lidar com essa problemática ou ficará somente a cargo das Corregedorias, bem como se serão tramitadas as possíveis reclamações desse tipo de conduta, a “fim de que não sejam mais uma vez esforçados no magistrado de primeiro grau”. Ele compreende que a Ouvidoria nasce “enquanto órgão não para servir de instrumento de ameaça, direcionamento ou uma análise de perseguição de magistrados”, mas sim para “ajudar a prestar como tem que ser uma atividade jurisdicional cada vez mais adequada, célere e justa”.