Desembargador questiona por que juiz não mandou prender filho de Fernando Gomes
Bahiapor Cláudia Cardozo
O desembargador Júlio Travessa, da 1ª Turma da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), usou a decisão que determinou novamente a prisão preventiva de Marcos Gomes, filho de Fernando Gomes, prefeito de Itabuna, para dar uma resposta direta ao juiz Alex Venícius Campos Miranda, da vara criminal de Ibicaraí, no sul do estado (veja aqui).
O juiz, ao revogar a prisão preventiva e decretar a domiciliar, havia dito que recebeu com surpresa a decisão do desembargador, e que não havia nenhum documento que apontasse qualquer outra prisão existente contra o réu. No despacho, Miranda ainda diz que o desembargador deu uma ordem indireta para a prisão, considerando que a execução do mandado deveria ter sido realizada por seu intermédio e não por uma “operação” do Ministério Público. O juiz também apontou uma curiosidade: de que o mandado foi assinado pelo desembargador no dia 20 de outubro, às 6h10 e foi cumprido às 9h35 no mesmo dia, o que, em sua concepção foi um “verdadeiro atropelo, tanto da decisão do desembargador, quanto da competência deste juízo” (saiba mais).
O desembargador fez os esclarecimentos no despacho diante da decisão do magistrado, a classificando como “tonitruante grau de embuste e deselegância”. O desembargador assevera que em nenhum momento determinou a soltura do réu, como estranhamente “deixa a entender o magistrado” e questiona de onde o juiz retirou a informação para “transformá-las em realidade e elencá-las em sua decisão”. Travessa frisa que a determinação de prisão foi do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), caso existissem pedidos cautelares em aberto, como era o caso, por haver uma prisão preventiva decretada pelo juiz Alex Venícius em fevereiro de 2017, mas que não fora cadastrada no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). “Esta não autoriza colocá-lo em liberdade, assertiva que, estranhamente, é exatamente a antítese daquilo que fora deliberado pelo magistrado Alex Venícius Campos Miranda em sua decisão”, afirma na resposta.
Travessa vai além e questiona por qual motivo ele determinaria a soltura de alguém que já se encontrava em liberdade há mais de 14 anos, e lembra que o réu permaneceu solto em toda tramitação processual, mesmo tendo sido condenado em duas instâncias por homicídio qualificado. “Não haveria a mínima razoabilidade”, exclamou.
Sobre o magistrado ter sido surpreendido com a decisão do desembargador, Travessa defende que chega “a ser até risível” que o juiz tenha dito que fora pego de surpresa com a prisão do réu, já que ele mesmo, no dia 7 de julho deste ano, determinou que a secretaria procedesse a certificação sobre existência de mandado de prisão contra Marcos Gomes. “Indaga-se, ainda: qual a razão de não ter sido o mandado cadastrado no BNMP, sabendo o magistrado Alex Venícius Campos Miranda da sua obrigação em fazê-lo, consoante redação do artigo 24 da Resolução nº. 251/2018, do Conselho Nacional de Justiça, já que o sistema tem a finalidade de facilitar o cumprimento de diligências por parte das autoridades policiais, dar publicidade aos atos, bem assim, auxiliar os juízes no exercício de sua jurisdição?”.
O desembargador Júlio Travessa ainda critica a linguagem utilizada pelo juiz no despacho, como chamar o caso de “verdadeira balbúrdia jurídica”. “Balbúrdia jurídica, a bem da verdade, é haver um mandado de prisão em aberto, por mais de três anos, contra alguém condenado, em primeira instância, pelos crimes de homicídio qualificado, cárcere privado e ocultação de cadáver e, na segunda, pelo delito de homicídio qualificado, visto que os dois outros foram fulminados pela prescrição, com circunstâncias gravíssimas, que saltam aos olhos de toda a sociedade, não só pela barbaridade e torpeza, mas também pela evidente sensação de injustiça, porquanto, passados mais de 14 anos, permanece o autor do delito fazendo jus a um direito de liberdade que, ratifique-se, não tem, sem que o juiz Alex Venícius Campos Miranda tenha tomado as providências que são de sua competência e obrigatoriedade”, disparou. Travessa complementa dizendo que a situação é “vexatória” para o juiz “por não cumprir com seus deveres e responsabilidades funcionais”.
O relator ainda manda um recado: “Deveria o magistrado Alex Venícius Campos Miranda preocupar-se, pois, com a efetivação da medida, não com a comunicação de que deveria cumpri-la, visto que, consabido e detidamente epigrafado nesta decisão, esta aguardava cumprimento por mais de três anos”. O desembargador rebate a curiosidade do juiz sobre o cumprimento da prisão preventiva. “Aparentemente, trata-se de um contrassenso que, no mínimo, chama atenção: em vez de o magistrado Alex Venícius Campos Miranda valorar positivamente o cumprimento célere da prisão, haja vista a efetivação exitosa de seu objetivo primaz, sem que, por qualquer motivo, ainda que subliminar, tenha sido prévia e artifisiosamente abortada, faz uma análise diametralmente oposta”. E diz que não há nenhuma ilegalidade no cumprimento da determinação, já que assinou o mandado de prisão, cadastrou no BNMP, e deu publicidade ao ato, quando a polícia judiciária ficou autorizada a cumprir com a custódia do réu.
Ele reforça que era obrigação do juiz ter feito o cadastro no sistema de prisões preventivas para que ela tivesse ocorrido em 2017, e que, a partir da assinatura da decisão, a polícia judiciária está apta a cumprir a ordem no segundo seguinte. “É satisfatório, para o magistrado Alex Venícius Campos Miranda, que o Poder Judiciário seja letárgico, vagaroso, retardatário em suas decisões e efetivações, tal qual foi no cumprimento da prisão preventiva, por seu próprio juízo determinada, que estava in albis há mais de três anos?”, questionou. Travessa, por fim, salienta que não houve “nenhum atropelo, apenas efetividade no cumprimento da tutela jurisdicional que deveria ser, repita-se, regra, não exceção, para que não causasse, como é o caso em testilha, tanta estranheza, curiosidade e atenção por parte de um juiz de 1º. Grau”.