Se Moro for cassado, precedente vai pegar mais gente lá na frente, diz advogado

As duas siglas entraram com uma representação no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Paraná no final de 2022. Há a expectativa de que a Aije (ação de investigação judicial eleitoral), que pede também a inelegibilidade de Moro, possa ser julgada em fevereiro, após troca de juízes da corte.

“Como eles não conseguiram pegar nada na campanha, eles foram criar a tese do abuso do poder econômico na pré-campanha, que nunca existiu antes. E o alerta que eu faço é o seguinte: criar um precedente deste na Justiça Eleitoral vai pegar mais gente lá na frente”, diz o advogado, que atua há 20 anos na área do direito eleitoral, em entrevista à Folha nesta quarta-feira (24).

“Como a Justiça Eleitoral é de precedentes, de jurisprudência, isso vai refletir. Na linha do que o próprio PT quer [no caso Moro], o evento do Lula em São Paulo deveria entrar na conta da pré-campanha do [Guilherme] Boulos”, compara ele.

Guedes nega que tenham ocorrido gastos excessivos de Moro no período anterior à campanha eleitoral formal de 2022 e defende que haja uma análise a fundo, “gasto a gasto”, para eliminar despesas que, segundo ele, não podem ser incluídas no rol de gastos de pré-campanha pagos pelos partidos Podemos e União Brasil. “PT e PL nunca pegaram gasto a gasto. Precisa se colocar uma lupa”, diz o advogado.

Moro se filiou ao Podemos em 2021 de olho na disputa presidencial. Mas, perto do prazo final para trocas partidárias, em 2022, abandonou o Podemos, anunciando filiação à União Brasil e sua candidatura ao Senado. Por isso, os partidos opositores apontam que os gastos de pré-campanha, voltados inicialmente para a disputa ao Palácio do Planalto, tornaram-se “desproporcionais” e “suprimiram as chances dos demais concorrentes” ao Senado no Paraná.

“Eu não acredito, mas, se o Moro for cassado, Moro sai da política, mas a política continua existindo. Outros adversários serão escolhidos para a batalha. Os inimigos se renovam. Se o TSE cassar o Moro, nestas eleições municipais este precedente vai ser usado para cassar mais gente”, afirma Guedes.

PRÉ-CAMPANHA
O advogado de Moro diz que há uma lista de atos que podem ser realizados pelos partidos antes da campanha oficial, sem que eles sejam identificados como propaganda eleitoral antecipada, mas que não existe uma regra de “pré-campanha”.

“Quanto posso gastar, com o quê eu posso, quando é a pré-campanha. Não tem. É um vácuo legislativo. Quando se deixa para o Judiciário o preenchimento deste vácuo legislativo, às vezes as decisões não são as melhores”, diz ele, ao defender que o Congresso Nacional deveria se debruçar sobre o tema.

Segundo ele, um valor equivalente a 30% do teto da campanha estaria razoável. O parâmetro consta em um parecer feito à União Brasil pelo advogado e suplente de Moro, Luis Felipe Cunha, em conjunto com Guedes. Ele afirma ainda que o processo contra Moro pode jogar luz no tema da pré-campanha, que, a seu ver, é pouco analisado.

Além disso, ele sustenta que somente podem ser considerados os gastos realizados na circunscrição da disputa (no Paraná) e que tenham atraído algum benefício eleitoral (para a candidatura ao Senado). “O Podemos pagou uma viagem do Moro para o Nordeste para visitar a estátua do padre Cícero, acompanhado do senador [Eduardo] Girão, do Ceará. É uma viagem que importa para o eleitor daqui de Ubiratã, no Paraná?”, comenta ele.

O gasto também precisaria ter conexão eleitoral relevante. Ele exclui, por exemplo, a aquisição de veículos blindados destinados “unicamente ao transporte e segurança do filiado”. Por fim, ele também contesta despesas que aparentemente contemplam um conjunto de pré-candidatos, de forma genérica. O gasto teria que estar identificado individualmente.

CASO SELMA
Embora a legislação eleitoral não trate expressamente do período da “pré-campanha”, a jurisprudência aberta pelo recente “caso Selma” tem sido apontada entre aqueles que defendem a cassação de Moro. Mas, para Guedes, os casos não podem ser comparados.

“Pouca gente conhece mais este caso do que eu —atuei no caso dela— e é uma bobagem quando tentam comparar. O que mais pegou foi um empréstimo que ela fez do suplente. No caso do Moro, é 100% dinheiro dos partidos políticos, que é o que manda a legislação. Não tem dinheiro de pessoa física”, diz ele, adicionando que respeita a decisão do TSE no caso da juíza, mas que não concorda.

Por 6 votos a 1, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cassou o mandato da Juíza Selma (Podemos-MT) no final de 2019, ao entender que houve abuso de poder econômico e também captação ilícita de recursos ligados à campanha eleitoral de 2018. A conclusão foi de que houve omissão de quantias expressivas usadas para pagar despesas de campanha no período pré-eleitoral.

JULGAMENTO
A defesa do senador diz ainda que tem interesse em enfrentar logo o julgamento do caso, mas que também é necessário ter cautela, sugerindo que o ideal é aguardar a nova composição do TRE —2 dos 7 membros da corte regional concluem seus mandatos neste mês de janeiro, incluindo o atual presidente. Também saem dois substitutos, que são chamados para atuar na ausência de membros efetivos.

“Prefiro julgar com juiz escolhido pelo presidente Lula, e sei da seriedade dos nomes que estão na lista tríplice, do que julgar na última sessão de um juiz. O importante é não julgar ao apagar das luzes dos mandatos”, defende Guedes.

O novo presidente da corte já assume na sequência, em fevereiro. A definição de quem fica no lugar do juiz Thiago Paiva dos Santos, por outro lado, cabe a Lula, com base em uma lista tríplice hoje nas mãos do TSE. A corte deve encaminhar a lista tríplice para Lula em fevereiro.

Até a noite desta quarta, o relator da Aije no TRE, o juiz Luciano Carrasco Falavinha Souza, ainda não havia colocado o processo na pauta de votações do colegiado. Guedes afirma que Falavinha tem conduzido o caso com “seriedade e atenção”.

ESCRITÓRIO DO SUPLENTE
Além do abuso de poder econômico, PT e PL afirmam que há indícios de corrupção em alguns gastos da pré-campanha de Moro. Eles se referem especialmente a um contrato assinado entre União Brasil e o escritório do advogado Luis Felipe Cunha, que depois se tornou o primeiro suplente de Moro.

Foram destacados, neste caso, o valor da contração, de R$ 1 milhão para um período de quatro meses, e o fato de Cunha não ter experiência na área eleitoral.

Em dezembro, em depoimento ao relator do processo, Moro justificou que o valor também abrangia pagamentos ao escritório de Guedes, que não teria sido contratado diretamente pela União Brasil em razão de uma resistência do presidente da sigla, Luciano Bivar.

Questionado pela Folha, Guedes confirma a versão e diz que não há ilegalidades na subcontratação e que ela “não foi feita às escondidas”. “Houve por parte do partido a informação de que não gostariam de me contratar pelo fato de eu ter assinado contra o PSL [hoje União Brasil] uma ação de desfiliação de justa causa da Joice Hasselmann”.

“Alguém disse internamente lá. Se alguém usou o nome do Bivar porque não gosta de mim, não sei. Respeito o Bivar, não tenho nada contra ele. Mas entendi a resistência como compreensível”, afirma.

Segundo Guedes, a alternativa encontrada, e que teria recebido o aval da própria sigla, foi a parceria com o escritório de Cunha, que pretendia começar a atuar na área eleitoral. Sem apontar valores, Guedes diz que recebeu parte significativa do pagamento de R$ 250 mil por mês e que produziu dezenas de documentos em conjunto com Cunha, tanto para o partido quanto de defesas do Moro.

Guedes também critica a inclusão de despesas com advogados na conta da pré-campanha feita pelos partidos. “Se a legislação eleitoral define que eu não preciso somar o advogado para [efeito de cálculo sobre] limite de campanha, por que eu vou somar para a pré-campanha? Não tem cabimento nenhum.”

RAIO-X | GUSTAVO BONINI GUEDES, 41
Advogado, membro-consultor da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e ex-presidente do Iprade (Instituto Paranaense de Direito Eleitoral).

 

Catarina Scortecci/Folhapress

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