Equipe da Receita resiste, e tensão se agrava após pressão de Bolsonaro
BrasilFoto: Dida Sampaio/Estadão
Marcos Cintra
Numa ação coordenada de resistência à pressão do governo Jair Bolsonaro (PSL), a cúpula da Receita Federal decidiu permanecer nos cargos mesmo com a substituição do número dois do órgão. A decisão foi tomada em meio à tensão crescente da equipe com Marcos Cintra, secretário especial da Receita, e à avaliação de que a gestão precisará enfrentar mais desgaste político caso decida continuar com as mudanças no órgão. A saída em massa de seis subsecretários e três coordenadores gerais chegou a ser articulada como protesto contra as interferências do Planalto, mas a avaliação da equipe foi que a medida só atenderia os interessados na ampla substituição de dirigentes da instituição. A pressão de Bolsonaro para a troca de nomes da Receita Federal levou à queda, na segunda-feira (19), de João Paulo Ramos Fachada, subsecretário-geral do órgão e que vinha se posicionando contra ingerências políticas.
Desde que assumiu a presidência da República, Bolsonaro contesta ações de órgãos de controle para investigar seu núcleo familiar —incluindo seu filho Flávio, senador pelo PSL e alvo de investigação do Ministério Público do Rio após relatórios do Coaf (órgão federal de inteligência financeira). No caso da Receita, Bolsonaro acusa auditores de perseguição a seus parentes, que, segundo ele, sofreram uma “devassa”. Com a queda de Fachada, integrantes da cúpula da instituição discutiram uma saída conjunta de seus postos em protesto ao que consideram uma tentativa de aparelhamento, mas reconsideraram a estratégia com a justificativa de que isso facilitaria as indicações políticas. Bolsonaro disse na semana passada que Marcos Cintra, titular da Receita, “por enquanto” segue no cargo.
No órgão, ele tem sido visto como alguém que vem aceitando as ingerências do mundo político para se manter e para ter respaldo do governo para emplacar sua proposta de reforma tributária, que prevê um novo imposto sobre pagamentos (a “nova CPMF”). Procurado, Cintra não comentou. Além da Receita, Bolsonaro interferiu na semana passada na Polícia Federal, com a troca da chefia no Rio —provocando uma queda de braço com a cúpula do órgão. “Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”, afirmou o presidente na sexta-feira (16). No Fisco, a escalada de tensões ocorre depois de auditores relatarem um pedido de Bolsonaro à Receita pela troca no comando do órgão no litoral do Rio. Na quinta (15), Bolsonaro afirmou que poderia trocar postos em que indivíduos se julgavam “donos do pedaço”.
Com o cargo em risco, o delegado da alfândega do Porto de Itaguaí (RJ), José Alex Nóbrega de Oliveira, denunciou a colegas a existência de “forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização” da Receita. O superintendente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, se posicionou contra a substituição do cargo de Oliveira e também passou a ter sua permanência sob risco. O novo indicado para o cargo de Oliveira seria o auditor fiscal Gilson Rodrigues de Souza, que tem mais de 35 anos de experiência de fiscalização em Manaus, mas sem atuação na área de alfândega. Em meio ao impasse, a Receita informou na segunda a troca do número dois do órgão, João Paulo Ramos Fachada, por José de Assis Ferraz Neto, de Pernambuco. A reação dos auditores nesse caso só não foi maior porque o novo nome foi de agrado dos demais.
O porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, afirmou na segunda que o presidente conversou sobre as trocas na Receita com o ministro Paulo Guedes (Economia). Segundo ele, Bolsonaro “atribui a responsabilidade pela condução e gestão das equipes de cada um dos órgãos aos respectivos responsáveis”. O impasse deve continuar em evidência com uma manifestação do sindicato dos auditores marcada para esta quarta-feira (21) em Brasília e em delegacias regionais da Receita pelo país. Além da pressão do Planalto, há uma reação crescente também do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TCU (Tribunal de Contas da União) a apurações que em certos casos respingam em autoridades. O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou no começo do mês a suspensão imediata de procedimentos investigatórios instaurados na Receita que atingiram integrantes da corte e outras autoridades.
Para Moraes, há “graves indícios de ilegalidade no direcionamento das apurações em andamento”. O ministro do TCU Bruno Dantas reclamou em evento na última quinta-feira de uma intimação recebida da Receita para comprovar pagamento a um médico-cirurgião. O ministro ligou a intimação do Fisco ao fato de ele estar relatando processo contra pagamento de bônus a auditores. O sindicato da categoria afirmou que as declarações são inadmissíveis e que atentam contra a honra dos servidores. A Receita vem sofrendo pressões também do Legislativo, que criou recentemente uma emenda para limitar os trabalhos dos auditores a crimes contra a ordem tributária. Com isso, ficariam de fora da competência crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro.
Folha de S.Paulo