8 de janeiro foi incitado para justificar golpe de Estado, aponta relatório da PF
BrasilO 8 de janeiro de 2023, em que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) depredaram as sedes dos três Poderes, foi fruto de incitação orquestrada por golpistas do entorno do ex-presidente para justificar um golpe de Estado, aponta relatório da Polícia Federal sobre a trama golpista divulgado nesta terça-feira (26) sobre a trama golpista.
Para especialistas em direito ouvidos pela Folha, a apuração enfraquece o argumento de que o 8 de janeiro foi caso isolado, tese já defendida pela defesa de acusados.
O episódio aparece no relatório da PF como uma dentre “outras ações para pressionar o comandante do Exército a aderir ao golpe de Estado”.
Segundo o documento, uma mensagem do general da reserva Mário Fernandes ao general Marco Antônio Freire Gomes, datada de 7 de novembro de 2022, fala da necessidade de um “evento disparador” para o golpe.
“E talvez o Sr. concorde comigo, COMANDANTE, quanto ao fato de que as atuais manifestações tendem a recrudescer, propiciando eventos disparadores a partir da ação das Forças de Segurança contra as massas populares, com uso de artefatos como gás lacrimogêneo e Gr de efeito moral…Tudo isto, bem próximo ou em nossas áreas militares!”, afirma a mensagem credita a Mario Fernandes.
No texto, ele fala da necessidade de ter base de apelo social para os militares poderem intervir.
O militar da reserva foi apontado por Mauro Cid como um dos mais radicais dentre os envolvidos com a trama golpista.
De acordo com a PF, os investigados na apuração “aguardavam uma ação que pudesse desencadear a ruptura institucional, com o apoio das Forças Armadas.”
“Dessa forma, continuaram a monitorar o ministro Alexandre de Moraes e a incitar e subsidiar as manifestações antidemocráticas em frente às instalações militares, fato que culminou nos eventos violentos do dia 08 de janeiro de 2023, quando novamente o golpe de Estado foi tentado no país”, aponta o relatório.
Ainda segundo o documento, havia uma interlocução entre lideranças das manifestações antidemocráticas e integrantes do governo de Bolsonaro, por intermédio dos “kids pretos”, militares formados nos cursos das Forças Especiais, principal tropa de elite do Exército.
O relatório também aponta mensagem de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, direcionando manifestantes para a praça dos Três Poderes em 2022. Além disso, os golpistas teriam contado com a ajuda de parlamentares aliados para convencer a população a participar das manifestações.
O relatório traz troca de mensagens entre Mauro Cid e a esposa, Gabriela Cid, no 8 de janeiro.
Nas mensagens, Gabriela envia imagens relacionadas aos ataques golpistas, e Cid afirma que, se o Exército saísse para interferir, seria para ajudar o golpe, segundo aponta o relatório. “Se o EB sair dos quarteis…e para aderir”, responde Cid à esposa.
A polícia também aponta que o contexto anterior com narrativas golpistas gerou ações como a de janeiro de 2023.
“Esse método de ataques sistemáticos aos valores mais caros do Estado Democrático de Direito criou o ambiente propicio para o florescimento de um radicalismo que, conforme exposto, culminou nos atos do dia 08 de janeiro de 2023, mas que ainda se encontra em estado de latência em parcela da sociedade, exemplificado no atentado bomba ocorrido na data de 13 de novembro de 2024 na cidade de Brasília.”
Para Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), há elementos para entender que o 8 de janeiro não se tratou de um caso isolado. “Enfraquece a narrativa de que as pessoas no 8 de janeiro não queriam um golpe”, diz.
Ela afirma que a intencionalidade dos crimes precisa ser analisada no contexto, marcado pela existência de atos preparatórios, institucionais ou coordenados contra a democracia.
Henderson Fürst, professor de direito constitucional da PUC Campinas, concorda que o relatório aponta evidências de que o 8 de janeiro não foi um fato único. “Há conversas demonstrando complementação e adequação de plano para ser implementado durante o novo governo”, afirma.
“As provas preliminares permitem concluir que 8 de janeiro não foi um ato isolado, embora não esteja claro como se manifestou o mecanismo de mobilização e atuação. Mas é possível observar que o plano anterior é alterado visando o 8 de janeiro”.
Na quinta-feira (21), Bolsonaro e mais 36 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal na tentativa de golpe de Estado. Além do ex-mandatário, foram indiciados o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice em 2022 na chapa derrotada, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, o ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem e o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno.
No dia 19 de novembro, a Polícia Federal prendeu quatro militares e um policial por tramarem a morte do presidente Lula (PT), seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A ação da PF foi autorizada por Moraes, que, na decisão, apontou que a polícia definiu uma linha de sequência de ilícitos que estão interligados, incluindo o 8 de janeiro.
A representação da PF fala que a organização criminosa objetivava incitar parte da população a ficar à frente das instalações militares “para criar o ambiente propício ao golpe de Estado”, com “técnicas de ações psicológicas e propaganda estratégia no ambiente politicamente sensível pelo ´kids pretos´ “.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, também já apontou haver vínculo entre o plano de golpe e os atos do 8 de janeiro em manifestação enviada em junho ao STF, segundo divulgou o UOL, que teve acesso ao documento.
“Os elementos de convicção até então colhidos indicam que a atuação da organiza ção criminosa investigada foi essencial para a eclosão dos atos depredatórios ocorridos em 8.1.2023”, apontou Gonet em manifestação dada no inquérito sobre o plano de golpe.
Ana Gabriela Oliveira Lima/Folhapress