Brasil pós-Bolsonaro tem maior avanço mundial em ranking de liberdade de expressão, diz ONG

Brasil

O Brasil registrou o maior avanço mundial em um relatório sobre liberdade de expressão após a saída de Jair Bolsonaro (PL) da Presidência da República.

O Global Expression Report 2024, divulgado pela organização Artigo 19, com sede em Londres, traz dados relativos a 2023 para 161 países, classificados em cinco categorias: aberto, menos restrito, restrito, altamente restrito ou em crise.

Com 81 pontos, em uma escala de 0 a 100, o Brasil passou da 87ª posição para a 35ª, saindo de restrito para aberto. O avanço foi de 26 pontos.

Para calcular essa pontuação, a organização seleciona 25 indicadores de seis áreas da base de dados V-Dem. A base do instituto sueco de mesmo nome tem cerca de 600 indicadores para cada país, cuja avaliação é feita por cerca de 4.000 especialistas ao redor do mundo.

As áreas levadas em conta pela Artigo 19 são: leis e sua aplicação; direitos digitais; liberdade de mídia, participação política; participação cívica; e liberdade política e privada.

Em 17 dos 25 indicadores avaliados, o Brasil registrou melhora em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula (PT), em relação a 2022, último ano de Bolsonaro.

O avanço do país se deu em temas como participação de organizações da sociedade civil; liberdade de publicação de conteúdo político; monitoramento governamental da internet; transparências das leis e sua aplicação; violência política e liberdade religiosa e acadêmica.

CONFIRA RANKING DOS MELHORES E PIORES PAÍSES SEGUNDO ONG

Os 5 melhores
1. Dinamarca – 95 pontos
2. Suíca;- 93 pontos
3. Suécia;- 93 pontos
4. Bélgica – 92 pontos
5. Estônia – 92 pontos

Próximos ao Brasil
33. Reino Unido – 81 pontos
34. Eslováquia – 81 pontos
35. Brasil – 81 pontos
36. Malta – 81 pontos
37. Honduras – 80 pontos
38. Taiwan – 80 pontos

Os 5 piores
157. Turcomenistão – 1 ponto
158. Belarus – 1 ponto
159. Nicarágua – 1 ponto
160. Eritreia – 1 ponto
161. Coreia do Norte – 0 pontos

Nos últimos anos, o STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) enfrentaram questionamentos por decisões relacionadas à liberdade de expressão.

Essas críticas ganharam combustível no bolsonarismo em abril deste ano ao serem endossadas e amplificadas pelo empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter).

Chamado por Bolsonaro de “mito da liberdade”, o bilionário condenou as decisões de remoção de conteúdo pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF e do TSE, e afirmou que iria descumpri-las —o que, segundo o braço brasileiro do X, não aconteceu.

Em reação, o ministro incluiu Musk no inquérito das milícias digitais. Moraes tem defendido sua atuação sob o argumento de que liberdade de expressão não equivale a salvo-conduto para agressões e discursos preconceituosos ou antidemocráticos.

O governo Lula, por sua vez, entrou na mira da oposição após anúncio de investigação da Polícia Federal sobre fake news relacionadas à tragédia no Rio Grande do Sul.

Deputados bolsonaristas dizem ver na medida uma tentativa de cerceamento de discursos. Já o governo afirma que busca combater a desinformação.

Co-diretor executivo da Artigo 19 no Brasil, Paulo José Lara avalia que a melhora do país tem forte ligação com o fim da gestão Bolsonaro, marcada por ataques a cientistas, jornalistas e à sociedade civil organizada em geral.
Relatórios anteriores da organização sobre a gestão Bolsonaro já haviam rebaixado a pontuação brasileira citando ataques a jornalistas, desinformação propagada por agentes do governo durante a pandemia de Covid e falta de transparência de dados públicos.

Para Lara, o governo Lula levou a uma normalização institucional que permitiu ao Brasil melhorar no tema, tanto em relação à liberdade jornalística quanto a outras formas de expressão.

Ele destaca especialmente a área de participação cívica, mencionando a retomada de conselhos multissetoriais e grupos consultivos.

Por outro lado, o codiretor avalia que também há pontos negativos tanto na atuação da gestão petista quanto na do Judiciário em relação à liberdade de expressão.

A primeira lacuna do governo federal teria sido não conseguir implementar medidas efetivas contra desinformação.
Embora tenha tentado articular a aprovação de um projeto de lei contra desinformação no Congresso Nacional, o chamado PL das Fake News, a proposta não avançou.

Ele afirma ainda que, mesmo com a elogiável, em sua opinião, criação de pastas como a de Direitos Humanos e dos Povos Originários, ainda é preciso implementar políticas concretas e com financiamento robusto para proteger comunicadores, defensores ambientais e de direitos humanos.

Por fim, Lara critica o que vê como falta de disposição do governo para a democratização dos meios de comunicação, especialmente rádio e televisão.

Ele destaca que o relatório avalia apenas a independência do Judiciário, sem entrar no mérito de suas decisões. Ainda assim, ele avalia que falta ao Poder o estabelecimento de parâmetros para decisões relativas à liberdade de expressão.

“Isso faz com que o Judiciário tenha resoluções erráticas e muitas vezes até contraditórias quando é instado a opinar”, diz. Por outro lado, ele diz que os tribunais ficaram mais expostos pela ausência de uma regulamentação legal e pela situação atípica da articulação golpista dentro do governo Bolsonaro.

Com a subida de posição, o Brasil ficou em sexto lugar nas Américas em relação à liberdade de expressão, atrás de Canadá (14ª), Argentina (15ª), Estados Unidos (26ª), Chile (27ª) e Jamaica (28ª).

Lideram o ranking global Dinamarca, com 95 pontos, seguida de Suécia e Suíça, ambas com 93, e depois por Bélgica, Estônia e Noruega, as três com 92.

A pior posição global é a da ditadura comunista da Coreia do Norte, com pontuação nula. China, Turcomenistão, Belarus, Nicarágua e Eritreia completam o conjunto de países na lanterna do ranking.

Uma importante novidade da edição atual do relatório foi a mudança de status da Índia, sob o governo do direitista Narendra Modi, de altamente restrito para em crise.

Com isso, o documento considera que mais da metade da população mundial (53%) vive em países em crise de liberdade de expressão. Só 23% habitam países com expressão livre ou menos restrita.

ÁREAS EM QUE O BRASIL MELHOROU, SEGUNDO O RELATÓRIO

Participação cívica
– Consulta a organizações da sociedade civil
– Liberdade das organizações da sociedade civil
– Engajamento da sociedade

Direitos digitais
– Liberdade em relação prisão por conteúdo político
– Liberdade em relação a filtros governamentais na internet
– Liberdade em relação a monitoramento governamental de mídia social

Leis e sua aplicação
– Leis transparentes com aplicação previsível
Liberdade de mídia
– Liberdade contra censura governamental
– Liberdade contra assédio a jornalistas
– Liberdade contra autocensura da mídia

Participação política
– Liberdade contra assassinato político

Liberdades privadas e políticas
– Liberdade de expressão acadêmica e cultural
– Liberdade de intercâmbio acadêmico
– Liberdade de discussão para homens
– Liberdade de discussão para mulheres
– Liberdade de reunião pacífica
– Liberdade de religião

 

Angela Pinho / Folhapress

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