Aval à fundação da Lava Jato entrará no foco do CNJ após divergências sobre Gabriela Hardt

Brasil

O aval dado pela juíza federal Gabriela Hardt, em 2019, para a criação da fundação da Lava Jato deve entrar no foco do plenário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na próxima sessão presencial do colegiado, em maio.

Isso porque tal decisão acabou se tornando um ponto central da reclamação disciplinar aberta em setembro de 2023 contra a magistrada pela corregedoria do CNJ. No próximo dia 21 de maio, os 15 conselheiros irão votar se o caso deve ou não gerar um processo administrativo disciplinar contra Hardt.

O caso é de janeiro de 2019, quando a juíza homologou um “acordo de assunção de compromissos” entre o Ministério Público Federal e a Petrobras na esteira de outros acordos feitos pela estatal brasileira com autoridades e órgãos dos EUA. Neles, a empresa se comprometeu a pagar US$ 853,2 milhões, e 80% deste valor poderia ser destinado ao Brasil.

Foi a partir daí que o MPF fez o acordo com a Petrobras para a criação do fundo, depois submetido à homologação de Hardt.

Durante sessão do CNJ nesta terça-feira (16), quando o afastamento cautelar de Hardt foi revogado por maioria de votos, o colegiado já indicou que possui visões diferentes sobre a fundação e a responsabilidade da magistrada a respeito. A decisão de afastar a juíza tinha sido proferida no dia anterior pelo corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão.

Embora a fundação não tenha saído do papel —houve recuo após repercussão negativa, além de um veto do STF (Supremo Tribunal Federal)—, a decisão que autorizou sua criação foi considerada infração grave pelo corregedor. Ele fala ainda em “desvio de dinheiro público para atender a interesses privados”.

“Não foi só uma infeliz iniciativa. Aqui é desvio preparado”, disse Salomão, ao apontar que, no âmbito penal, a criação do fundo poderia esbarrar em peculato e corrupção passiva. “Deliberadamente, com ação ou omissão do juízo, se estabeleceu auxílio às autoridades americanas a construírem casos criminais em face da Petrobras com interesse no retorno de parte da multa que seria aplicada”, disse o corregedor.

O presidente do CNJ e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, por sua vez, vê a fundação apenas como uma “ideia ruim” e descarta o entendimento de que estaria se falando de desvio.

“Não era dinheiro para o bolso de ninguém, não era dinheiro para ninguém se locupletar. Portanto não é de desvio que se cogita aqui. O que se discute é a impropriedade na criação de uma fundação para gerir o dinheiro. E hoje ninguém duvida que tenha sido uma decisão pouco feliz”, disse Barroso, acrescentando que isso não era razão para punir a juíza.

“Não foi ela que fez o acordo. Os atos que vem do MPF tem presunção de legitimidade. Ninguém supõe que o MPF esteja participando de alguma maracutaia”, argumentou ele. “O acordo era para ser pago nos EUA e aí se estabeleceu que 80% deste valor viria para o Brasil. Era um acordo bom, positivo”, continuou Barroso.

De acordo com o documento sobre o fundo, metade do valor depositado permaneceria em conta judicial e seria utilizada para compensar prejuízos causados a investidores do mercado. A outra metade seria destinada a um fundo patrimonial privado permanente, com sede em Curitiba.

“Consta do acordo que os rendimentos desse fundo serão aplicados em investimentos sociais que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”, narrou a juíza em seu despacho à época, ao explicar o pedido do MPF, a quem caberia formar um comitê para gerir o fundo.

Entre outros pontos, Salomão alega falta de transparência. Diz que não houve intimação da União sobre o acordo entre o MPF e a Petrobras e que os procuradores da Lava Jato não apresentaram à juíza os documentos que demonstravam como o acordo internacional tinha sido desenvolvido.

Também cita que o acordo homologado não teve participação obrigatória do departamento de recuperação de ativos e cooperação jurídica internacional, vinculado ao Ministério da Justiça. Os três pontos foram reforçados ao longo da sessão por outros membros do CNJ.

Na sessão desta terça, o subprocurador-geral da República, José Adonis Callou, que se manifestou antes do voto do corregedor, ponderou que a ideia da criação da fundação era “ruim e infeliz”, mas que isso não significava “uma infração disciplinar pela juíza”.

Callou afirmou ainda que o problema não seria a finalidade do fundo, mas as funções que caberiam ao Ministério Público. “Entendo que membro do MPF não deveria assumir compromissos de gestão”, disse. Ele argumentou também que “os recursos não poderiam ser destinados à Petrobras porque, lá nos EUA, a Petrobras não era a vítima. Era parte no processo como responsável por lesão a acionistas”.

Para Salomão, a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para homologar um acordo que “sempre se referiu expressamente a Brasil, jamais indicando a procuradoria do Paraná”.

O conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, fez observação semelhante, durante a sessão, ao defender que a questão da competência da 13ª Vara de Curitiba não pode ser minimizada. “Por que um acordo de natureza cível foi parar lá? Porque era o juízo universal de Curitiba”, disse.

Outro ponto colocado por Salomão fazia referência a diálogos “fora dos autos” entre a juíza e procuradores da Lava Jato, por aplicativo de mensagens. Ele afirma que a magistrada reconheceu em depoimento que teria recebido no celular um esboço do acordo entre o MPF e a Petrobras.

Em depoimento, Hardt afirmou que a troca de mensagem era “muito eventual” e que, no caso da fundação do MPF, havia uma urgência na solução da questão.

Durante a sessão desta terça, o advogado de Hardt, Nefi Cordeiro, enfatizou que ela “apenas recebeu pedido de prioridade” em relação ao tema da fundação, mas que “jamais houve combinação prévia” sobre o que seria decidido.

 

Catarina Scortecci/Folhapress

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