Lei protege sigilo de conversa de advogado exposta pela PF em caso de Moraes

Brasil

A inviolabilidade da comunicação entre cliente e advogado só pode ser quebrada se há a suspeita de que o profissional esteja envolvido com práticas ilícitas, afirmam especialistas ouvidos pela Folha.

Eles veem na quebra do sigilo um risco à garantia de ampla defesa.

O assunto voltou a ser debatido no meio jurídico com posicionamento recente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que apresentou petição à PGR (Procuradoria-Geral da República) e ao STF (Supremo Tribunal Federal) neste domingo (18) questionando a exposição de conversas em inquérito sobre hostilidade contra o ministro Alexandre de Moraes.

O inquérito investiga confusão entre um grupo de turistas brasileiros e o ministro, em julho passado no Aeroporto Internacional de Roma.

A Polícia Federal chegou à conclusão em relatório publicado na última semana que o empresário Roberto Mantovani Filho, um dos alvos da investigação, cometeu na ocasião injúria real contra o filho de Moraes.

Entretanto as investigações foram encerradas, e Mantovani não foi indiciado, uma vez que existe uma instrução normativa que veda o indiciamento para crimes de menor potencial ofensivo, como a injúria real, caracterizada pelo “emprego de violência ou vias de fato” para ofender a dignidade ou o decoro de alguém.

Nos autos, foi juntada uma análise do conteúdo encontrado em celulares apreendidos na investigação, o que incluía, por exemplo, orientações da defesa ao empresário.

De acordo com Jordan Tomazelli, mestre em direito processual pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), o Estatuto da Advocacia prevê como prerrogativa do advogado o sigilo de sua comunicação profissional.

Se, ao quebrar o sigilo do investigado, a autoridade identificar conversa entre ele e seu advogado, deve-se resguardar essa comunicação. A exceção a essa prerrogativa, afirma Tomazelli, ocorre quando o próprio advogado se torna suspeito de cometer ato ilegal.

O Estatuto da Advocacia assegura como direito do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

Preservar a comunicação entre cliente e advogado é central para resguardar o direito à ampla defesa, afirma Juliana Cesario Alvim, professora de direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e da Central European University.

“O sigilo da advocacia é um dos elementos que vai compor a garantia de um julgamento imparcial. É um tijolo que ajuda a construir o edifício da ampla defesa”, afirma. “Se se imagina que a comunicação entre cliente e advogado vai ser exposta, isso pode limitar as possibilidades de defesa e a própria atuação do advogado ou advogada.”

A especialista exemplifica a questão citando decisão de Moraes com relação a investigação envolvendo o rombo das Lojas Americanas. “O ministro autorizou medida de busca e apreensão dos emails de gestores e administradores do grupo, mas excluiu expressamente da decisão as informações protegidas pelo sigilo profissional dos advogados”, diz.

Segundo Ana Beatriz Presgrave, professora de direito da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), não há razão para a divulgação de informações entre advogado e cliente no caso de hostilidade a Moraes.

“Observa-se, na conversa, estratégias de defesa que não têm nada a ver com a investigação, como pedido para não falar com a imprensa”, afirma Presgrave, que já foi membro do conselho da OAB entre 2019 e 2021.

O inquérito, que é público, trazia documentos, imagens e transcrições de diálogos entre Mantovani e seu advogado, Ralph Tórtima Filho. A defesa de Mantovani pediu a retirada das conversas do processo, citando violação do sigilo profissional.

Com interpretação similar, a OAB acionou PGR e STF contra a exposição da comunicação, classificando o episódio como “ofensa grave às prerrogativas da classe”. A entidade pede, além da retirada das conversas dos autos, a punição criminal do delegado responsável pelo caso, Hiroshi de Araújo Sakaki.

A Folha procurou a PF para comentar o caso, mas ainda não obteve resposta.

Segundo Presgrave, a inviolabilidade à prerrogativa já foi tema de súmula do Conselho Federal da OAB e objeto de uma alteração legislativa no Estatuto da Advocacia, Lei 8.096, que estabelece ser crime “violar direito ou prerrogativa de advogado”, com pena de detenção de dois a quatro anos e multa.

“Não se pode misturar advogado com investigado. Uma coisa é o exercício profissional daquele advogado e outra coisa é o que o investigado possa ter feito. Confundir isso é o mesmo que condenar um médico que salvou a vida de um apenado”, afirma.

 

Ana Gabriela Oliveira Lima/Folhapress

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