Cid lamentou disciplina de militares durante discussão golpista, mostram mensagens
BrasilEnvolvido em discussões sobre um possível golpe de Estado para evitar a posse de Lula (PT), o tenente-coronel Mauro Cid mandou a um colega de farda mensagem em tom de lamento por considerar que os militares permaneciam “muito disciplinados”.
O texto foi enviado em conversa com o tenente-coronel Sérgio Cavaliere, alvo de buscas da Polícia Federal. O diálogo ocorreu em 19 de novembro de 2022.
Na conversa, Cavaliere aborda Cid para questionar a possibilidade de militares da ativa receberem uma concessão especial para deixar a carreira, com aposentadorias proporcionais, caso os planos para reverter o resultado das eleições fossem frustrados.
“Irmao [sic], vou te pedir uma ultima [sic] parada, em meu nome e de outros amigos. Se tudo der errado, que seja concedido em caráter excepcional a saída compulsória (proporcional) àqueles que desejarem. Minha mulher é libanesa e quer que eu vá embora com ela”, escreveu.
“Sei que é possível fazer isso antes do apagar das luzes”, completou Cavaliere.
Mauro Cid responde que já havia conversado com o vice-chefe de gabinete, sem informar de qual autoridade, e que a “ideia é não conceder para ninguém”.
Em resposta, Cavaliere disse que a não concessão do benefício seria “uma bela de uma sacanagem”. “Se tudo descambar, nós e nossas famílias sofreremos por decisões totalmente em desacordo com o que pensamos. Temos nos mantido confiantes e disciplinados até agora. Espero que estejam preparados para lidar com o racha interno, que virá”.
Cid respondeu que este seria o problema: “Estamos muito disciplinados”.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), escreveu em sua decisão que as conversas dos tenentes-coronéis Mauro Cid e Sergio Cavaliere apontavam para uma “tática de investir contra militares não alinhados às iniciativas de golpe, […] tudo com o objetivo de incitar os integrantes do meio militar a se voltarem contra os comandantes que se posicionam contra o intento criminoso”.
Procurada, a defesa de Cid não se manifestou. A Folha não conseguiu contato com Cavaliere.
Em conversas com interlocutores do meio político, os chefes militares têm defendido que não houve quebra da hierarquia e da disciplina no Exército mesmo com os apelos golpistas feitos aos militares no fim de 2022.
Um exemplo disso seria o fato de não terem sido registrados levantes de militares nos quartéis ou desobediência a decisões tomadas pelos comandos militares de área.
Por outro lado, a investigação da Polícia Federal comprovou que militares da ativa foram responsáveis pela redação e coleta de assinaturas de uma carta apócrifa, de novembro de 2022, que buscava pressionar o comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, a adotar postura radical favorável aos pedidos por golpe.
Militares são proibidos por lei e regulamentos de se manifestar coletivamente, seja sobre atos de superiores ou em caráter reivindicatório ou político.
Os investigadores ainda ressaltam que militares da ativa participaram de atos para disseminar informações falsas para desacreditar o processo eleitoral e defenderam a ruptura institucional em discussão entre Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
“A troca de mensagens evidencia que militares da ativa e integrantes do governo do então Presidente JAIR BOLSONARO estavam dando suporte material e financeiro para que as manifestações antidemocráticas permanecessem mobilizadas, visando garantir uma falsa sensação de apoio popular à tentativa de Golpe de Estado em andamento”, completou a PF.
Na mesma conversa com Mauro Cid, Sergio Cavaliere ainda mostrou descrença com o esforço do PL de questionar a segurança de urnas eletrônicas de modelo anterior ao de 2020. Naquele 19 de novembro, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, havia falado que cerca de 250 mil urnas não tinham número de identificação e deveriam ser desconsideradas.
Na visão de Cavaliere, o plano seria uma forma de dar uma “saída para o inimigo que está encurralado”. O inimigo, na visão da Polícia Federal, seria Alexandre de Moraes. “Mas não vai dar certo, não! Ele deve tá muito pressionado aí pro… pelos mandantes aí dessa coisa toda, sendo chantageado e ele não vai aceitar.”
“Então a gente vai ter que ir pro pau mesmo. Infelizmente”, prosseguiu o militar. “Se pouparem o lobo podem ter problemas mais graves à frente, vc [sic] sabe disso. Voce [sic] e sua família inclusive”.
Os diálogos de Mauro Cid com outros militares e integrantes do governo Bolsonaro foram obtidos pela Polícia Federal na apreensão do celular do ex-ajudante de ordens da Presidência da República.
O telefone e computador do militar possuem uma série de conversas e documentos que foram usados pela PF como prova do planejamento de um golpe de Estado, que acabou não sendo executado.
Bolsonaro foi intimado para depor sobre o caso na próxima quinta-feira (22), mas a defesa pediu o adiamento até que fosse autorizado o acesso à delação de Cid e a mídias apreendidas. Alexandre de Moraes, porém, já rejeitou a solicitação.
Cid ficou preso por mais de quatro meses até fechar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. A colaboração foi homologada pelo STF, e o tenente-coronel deixou a prisão em 9 de setembro.
Mesmo delator e implicado em cinco frentes de investigação (golpe, cartão de vacinação, venda de joias, uso do cartão corporativo e live de Bolsonaro com ataque às urnas), Mauro Cid está na disputa pela promoção a coronel —sua turma de Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) começa a ser promovida em abril.
Cézar Feitoza e José Marques/Folhapress