Ameaça de veto ao Brasil por causa do Carf não existe em carta citada por Haddad
BrasilDesde que assumiu, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu publicamente a importância do voto de desempate no Carf (Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais). Em seus discursos, no entanto, carregou nas tintas para pintar o cenário sem o instrumento.
Haddad disse inúmeras vezes que o Brasil poderia ser barrado na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) se não tivesse o voto de desempate, e sempre detalhou que tal risco havia sido registrado em carta da organização enviada ao governo brasileiro.
A mencionada carta, no entanto, em nenhum trecho diz que ter ou não ter o instrumento faria diferença na avaliação para o ingresso do Brasil na OCDE.
Desde que assumiu, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu publicamente a importância do voto de desempate no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Em seus discursos, no entanto, carregou nas tintas para pintar o cenário sem o instrumento.
Haddad disse inúmeras vezes que o Brasil poderia ser barrado na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) se não tivesse o voto de desempate, e sempre detalhou que tal risco havia sido registrado em carta da organização enviada ao governo brasileiro.
A mencionada carta, no entanto, em nenhum trecho diz que ter ou não ter o instrumento faria diferença na avaliação para o ingresso do Brasil na OCDE.
Na segunda-feira (25), quando relembrou a batalha para restituir o voto de desempate, Haddad voltou a citar a carta.
“É uma coisa que a OCDE chegou a mandar uma carta para a gente dizendo o seguinte: ‘Se mantiver essa regra, nós não vamos mais discutir a entrada do Brasil na OCDE’. Uma carta formal, que foi endereçada a todos os parlamentares no Congresso Nacional. E nós conseguimos reaver o chamado voto de qualidade”, afirmou aos presentes. Voto de qualidade é o jargão para se referir ao voto de desempate no Carf.
A carta, enviada em 31 de março ao ministro Haddad, é assinada pela diretora da OCDE para políticas tributárias, Grace Perez-Navarro —ou seja, ainda antes de o Congresso rever a decisão.
De fato, o documento traz críticas ao funcionamento do Carf, mas o texto deixa claro que a manifestação é uma resposta a uma solicitação da própria Fazenda, não um alerta do órgão.
Após descrever a composição e o funcionamento do Carf, com base em dados apresentados pelo ministério, a diretora destaca, no texto: “O alto volume de casos no Carf, o grande valor de impostos sujeitos a disputas no Carf, bem como o longo tempo que esses casos levam para ser resolvidos por meio do processo de recurso administrativo antes de realmente chegarem à revisão judicial, levantam questões sobre a eficiência e integridade do atual processo de recurso administrativo tributário no Brasil”.
“Você solicitou nossa opinião sobre o Carf e que também fornecêssemos a perspectiva da prática e experiência internacional sobre essa questão. Com base em sua solicitação, iniciamos uma análise comparativa preliminar das diferentes abordagens de revisão administrativa em todo o mundo.”
Na análise, Perez-Navarro pontua problemas, como o peso de juízes leigos e de representantes do setor privado, os riscos de conflitos de interesse, os mecanismos para protelar decisões, e conclui que a volta do voto de desempate seria mais adequada à realidade local.
“Por todas as razões expostas acima, uma reconsideração da abordagem estabelecida em 2020 seria justificada e, a menos que um modelo melhor e mais eficaz seja desenvolvido, pode ser apropriado voltar à prática anterior”, afirma.
A final, o órgão se coloca à disposição, sem mencionar quais seriam os efeitos da decisão para o processo de análise do pleito do Brasil para aderir ao órgão.
“A secretaria da OCDE continuará o processo de coleta de dados sobre essas práticas de recurso tributário administrativo e terá prazer em compartilhá-los com você. Também estamos prontos para fornecer mais informações sobre práticas e experiências internacionais que também podem ser úteis se for contemplada uma reforma mais fundamental do processo de revisão administrativa em matéria tributária.”
O voto de desempate no Carf é considerado estratégico pela equipe econômica para melhorar as receitas.
A previsão é que será possível arrecadar mais R$ 54,7 bilhões em 2024, além de outros R$ 43,1 bilhões com novas negociações de débitos conduzidas pela Receita Federal e pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) com base na nova lei.
Os valores já foram até contabilizados na proposta de Orçamento de 2024 para ajudar no alcance da meta de déficit zero no ano que vem.
Recentemente, outra declaração de Haddad sobre o Carf causou polêmica. Entrevista ao Canal Livre, da Band, veiculada no dia 17 de setembro, o ministro fez uma analogia sobre a época em que o voto de desempate estava extinto e os contribuintes eram favorecidos pelo empate.
“[O fim do voto de desempate] Travou os julgamentos do Carf. Imagina pegar quatro delegados e quatro detentos para julgar um habeas corpus, sendo que o empate favorece o detento”, disse.
A Aconcarf (Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf), que representa os profissionais, emitiu nota de repúdio na segunda-feira e pediu uma retratação de Haddad, que não se manifestou.
Segundo a pesquisa Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, realizada em parceria entre Insper e CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o Estado perde metade das discussões tributárias quando os contribuintes recorrem ao Judiciário.
De acordo com os dados da quinta edição do estudo, publicada no ano passado, 51,4% das decisões em processos de primeira instância confirmam o entendimento dado na via administrativa, enquanto 48,6% modificam o resultado.
OUTRO LADO
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda afirmou que no dia 6 de março, conforme consta em agenda pública, Haddad, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e representantes da OCDE se reuniram em Brasília para tratar, dentre outras questões, do voto de desempate no Carf.
“O encontro também tratou das consequências negativas da manutenção do modelo de 2020 nos processos administrativos tramitados no âmbito do órgão”, diz o texto.
Na ocasião, destacou o texto da assessoria, esteve ainda na pauta a questão dos preços de transferência —forma de tributação das operações internacionais realizadas por empresas que integram um mesmo grupo econômico— como ponto sensível nas relações com o Brasil.
“Posteriormente, no dia 31 de março, duas cartas tratando desses temas foram divulgadas pela OCDE. Naquela que trata do Carf, foram apontadas ‘consequências negativas do modelo estabelecido em 2020, quando mudanças legislativas (Lei 13.988/2020, decorrentes da Medida Provisória nº 899/2019) retiraram o peso decisivo atribuído ao voto do presidente do conselho’.”
A assessoria da Fazenda disse que a OCDE ainda afirmou: “Estamos prontos para fornecer mais informações sobre práticas e experiências internacionais que também podem ser úteis, se for contemplada uma reforma mais fundamental do processo”.
“Após esses alertas quanto aos impactos negativos da retirada do voto de qualidade, feitos de forma presencial e reforçados na referida carta, a conclusão foi de que o processo de acessão do Brasil à OCDE poderia ser prejudicado caso o modelo anterior a 2020 não fosse restabelecido”, afirmou a pasta.
Alexa Salomão/Folhapress