Prazo criado por Moraes dificulta adiamento de ação contra Bolsonaro no TSE
BrasilA decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de impor prazo máximo de 60 dias para um julgamento ficar suspenso por solicitação de ministro torna mais difícil o adiamento da análise da ação que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível.
Em fevereiro, a corte limitou os poderes dos magistrados nos casos de pedidos de vista, situações em que um integrante do tribunal interrompe o julgamento para conseguir avaliar com mais calma o conteúdo da controvérsia em pauta.
A limitação foi determinada após aprovação de uma resolução interna elaborada pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE e principal algoz do bolsonarismo no Judiciário. Os demais ministros votaram a favor da mudança, que foi inspirada no STF (Supremo Tribunal Federal) —a corte adotou regra similar em dezembro do ano passado.
Dessa forma, foi reduzida a chance de um ministro usar a estratégia judicial de pedir vista e demorar para devolver a ação com o objetivo de retardar ou até mesmo impedir uma decisão que iria na contramão do seu voto.
O próprio Moraes tem afirmado a interlocutores, em conversas reservadas, que não haverá adiamento e que o julgamento de Bolsonaro deve acabar ainda neste semestre.
Há a expectativa entre aliados do ex-presidente que o ministro Kassio Nunes Marques apresente um pedido de vista. Ele foi indicado ao Supremo por Bolsonaro e costuma se manter fiel a pautas bolsonaristas em curso no Judiciário.
No entanto, esse cenário é visto nos bastidores do tribunal como improvável, justamente porque a medida não teria efeito prático —apenas atrasaria o julgamento por cerca de dois meses.
Além disso, poderia causar um mal-estar com os colegas e seria estrategicamente ruim para Kassio, que assumirá a presidência da corte no próximo ano e precisa manter boa relação com os colegas para conseguir impor sua agenda à frente do TSE.
Além disso, ele correria o risco de o eventual pedido de vista ocorrer com o resultado do julgamento já definido, uma vez que cinco ministros têm direito a votar antes dele.
A resolução sobre o tema prevê que o magistrado tem 30 dias prorrogáveis por mais 30 para devolver um processo do qual pediu vista. Caso o prazo não seja respeitado, o processo fica automaticamente liberado para ser incluído em pauta e analisado pelo conjunto do tribunal.
O Supremo tomou decisão similar e impôs o limite de 90 dias para devolução dos processos.
Moraes defendeu a mudança de regra. “A medida visa aperfeiçoar procedimentos pertinentes aos pedidos de vista e à tramitação das medidas cautelares, de modo a aprimorar a prestação jurisdicional em homenagem aos princípios da celeridade e da colegialidade”, afirmou o ministro em fevereiro.
A norma pode ter efeito direto no andamento do julgamento que começará nesta quinta-feira (22) para analisar a ação em que o PDT pede para Bolsonaro ficar inelegível por oito anos por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.
A base da ação é a convocação no ano passado, por Bolsonaro, de uma reunião com embaixadores para desacreditar, sem provas, o sistema eleitoral.
Embora a reunião com representantes estrangeiros tenha ensejado a ação, a avaliação de observadores da corte é que o processo será dentro de um contexto maior em relação às reiteradas declarações e ações de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro e contra ministros de tribunais superiores.
Assim, a tendência é que a corte eleitoral vá na contramão do entendimento fixado em 2017 ao rejeitar a cassação da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Na ocasião, o TSE decidiu por maioria desconsiderar novas provas apresentadas após a ação ser protocolada. Essas provas apontavam outras suspeitas, relacionadas a caixa dois, contra os dois políticos.
O tribunal já deu indícios no sentido de analisar um contexto mais amplo quando ratificou a decisão do relator, ministro Benedito Gonçalves, de incluir a minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres nos autos do processo.
O Ministério Público Eleitoral, por sua vez, viu nas atitudes de Bolsonaro “um conjunto de assertivas que compõe o propósito de desacreditar a legitimidade do sistema de votação digital” empregado desde 1996 no país.
Na manifestação, a Procuradoria defendeu que a inelegibilidade não se aplique ao candidato a vice de Bolsonaro na campanha de 2022, o ex-ministro Walter Braga Netto (PL).
A Procuradoria considerou que as falas de Bolsonaro geraram “graves consequências” para a aceitação das eleições e que o discurso se mostrou “evidentemente capaz de afetar a confiança de parcela da população” na legitimidade das urnas.
O clima na defesa e entre aliados de Bolsonaro é de pessimismo. Caso seja declarado inelegível, ele ficará inabilitado para disputar eleições por oito anos —prazo contado a partir da eleição de 2022. De acordo com a atual legislação, caso condenado, o ex-presidente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).
Matheus Teixeira e Julia Chaib/Folhapress