Defesa fez auditoria eleitoral apesar de negar ao TSE, mostram emails
Brasilpor Cézar Feitoza | Folhapress
Diferentemente do que disse ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o Ministério da Defesa discutiu internamente e concluiu que faria uma auditoria nos sistemas de votação, além de fiscalizar o processo eleitoral deste ano.
Troca de emails obtida pela Folha de S.Paulo entre auxiliares do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, mostram que as Forças Armadas realizariam uma “auditoria dos códigos-fonte” utilizados pela Justiça Eleitoral. A ação é permitida pelo TSE e não representa uma infração às normas do tribunal.
A versão, porém, é diferente da que foi apresentada ao presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, quando a Defesa se negou a enviar relatórios parciais com as conclusões das etapas do acompanhamento do processo eleitoral. Na decisão, o magistrado pedia “cópia dos documentos existentes sobre eventual auditoria das urnas”.
O pedido de envio dos relatórios gerou insatisfação no Ministério da Defesa. Antes de responder oficialmente ao TSE, auxiliares de Paulo Sérgio afirmavam, em jogo de palavras, que não poderiam entregar os relatórios de auditoria solicitados por Moraes porque a pasta não realizava esse tipo de inspeção do sistema eleitoral.
Na resposta à decisão judicial, a Defesa manteve o discurso de que realizava somente a fiscalização do pleito.
A diferença entre fiscalização e auditoria do processo eleitoral é relevante porque demonstra que, diferente do que disseram contestadores das urnas eletrônicas, é possível acessar os sistemas eleitorais e vasculhar possíveis irregularidades.
Os emails obtidos pela reportagem mostram uma série de discussões dentro do Ministério da Defesa sobre a criação da equipe das Forças Armadas que fiscalizaria o pleito.
A pasta escreveu uma minuta de portaria que não citava o trabalho de auditoria dos sistemas eleitorais. O diretor substituto da Secretaria de Orçamento e Organização Institucional, Adriano Portella de Amorim, sugeriu então algumas alterações.
“A Resolução nº 23.673, de 2021, do TSE, também menciona a atividade de auditoria, embora os arts. 5º e 6º mencionem apenas a atividade de ‘fiscalização’. Solicita-se ao EMCFA (Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas) verificar se é pertinente manter a palavra ‘auditoria'”, escreveu em 1º de agosto.
O chefe da Assessoria de Doutrina e Legislação, general Lima Neto, enviou a sugestão para a equipe das Forças Armadas analisar com “urgência”. “Especial atenção à dúvida lançada no tocante às palavras ‘fiscalização’ e ‘auditoria'”, escreveu.
Duas horas depois, em resposta, o major Márcio Antônio Amite disse que concordava em incluir o termo na portaria. “Considerando que foi franqueado à equipe a auditoria dos códigos-fontes dos sistema (sic), a equipe entendeu ser pertinente a manutenção da palavra ‘auditoria’.”
A auditoria dos códigos-fontes dos sistemas eleitorais é permitida para as entidades fiscalizadoras das eleições. Neste ano, os dados ficaram disponíveis por 12 meses. Os militares, no entanto, só pediram acesso aos códigos em 2 de agosto -um mês antes da eleição- em ofício enviado ao TSE classificado como “urgentíssimo”.
Os militares conseguiram analisar somente quatro das centenas de linhas de programação. Por causa das restrições impostas pelo tribunal, os técnicos das Forças Armadas fizeram as anotações em papel e caneta.
A discussão sobre a minuta também envolveu divergências sobre seu preâmbulo, que é o trecho em que se apresentam as normas legais que dão base à portaria.
No texto original, a Defesa citava um inciso do artigo 87 da Constituição Federal que diz: “Praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo presidente da República”.
Amorim disse que a norma legal só deveria ser citada se houvesse uma ordem expressa do presidente Jair Bolsonaro (PL) para que as Forças Armadas fiscalizassem a eleição.
“[O artigo citado tem como] pressuposto de que o MD (Ministério da Defesa) recebeu outorga do PR (Presidente da República) para dirigir as atividades das Forças Armadas a respeito do assunto”, escreveu no email.
“Solicita-se ao EMCFA confirmar esse ponto e se há algum documento que, a esse respeito, possa ser mencionado/trazido aos autos”, completou.
Apesar de o major Amite dizer que não tem o “conhecimento necessário para emitir opinião” sobre a existência da ordem de Bolsonaro, a portaria foi alterada para excluir o trecho.
O Ministério da Defesa foi procurado para esclarecer as diferenças entre os documentos internos e a manifestação formal ao TSE, mas não se manifestou.
As Forças Armadas foram incluídas na lista de entidades fiscalizadoras da eleição em 2021, por decisão do então presidente do TSE Luís Roberto Barroso.
A medida, cujo objetivo era reduzir as manifestações golpistas de Bolsonaro, foi vista na cúpula do Judiciário como um tiro no pé, já que a atuação dos militares deu ainda mais munição para o presidente atacar as urnas e criar desconfiança no processo eleitoral.
Paulo Sérgio Nogueira, visto na caserna como um político habilidoso, com capacidade de reverter situações adversas, passou a ser alvo de críticas de colegas de farda por fazer coro às reclamações de Bolsonaro. Em defesa, o ministro diz que a atuação dos militares no processo eleitoral sempre foi técnica.
No primeiro turno, os militares participaram de duas das etapas mais importantes da fiscalização do pleito. Durante a votação, integrantes das Forças Armadas acompanharam o teste de integridade -procedimento que confirma se as urnas registram corretamente os votos dos eleitores.
Logo após a votação, militares tiraram fotos de cerca de 450 boletins de urna espalhados em seções eleitorais de 153 municípios e enviaram os arquivos para técnicos das Forças Armadas, em Brasília. Eles compararam os dados enviados com os votos registrados no TSE e não encontraram divergências.
Os procedimentos foram repetidos no segundo turno do pleito.
A programação inicial da Defesa, apresentada ao TSE, envolvia entregar o relatório conclusivo da fiscalização e auditoria 30 dias após o fim da última etapa, em meados de janeiro ou no início de fevereiro.
Na segunda-feira (7), no entanto, a pasta informou que antecipará a entrega do relatório nesta quarta (9).
De acordo com militares com conhecimento do assunto, a decisão de enviar o documento ainda nesta semana se deu diante das pressões e informações falsas que circulavam sobre o posicionamento das Forças Armadas no pleito.
Generais e integrantes do Ministério da Defesa ouvidos pela reportagem dizem o objetivo do relatório não é chancelar o resultado da eleição ou apontar fraudes. Segundo os relatos, o documento apontará os pontos frágeis, para os militares, do sistema e dos processo de fiscalização.
Dois pontos são destacados por eles. O primeiro é a baixa adesão ao projeto-piloto do teste de integridade com biometria. O procedimento simula uma votação real, nas seções eleitorais, para verificar se as urnas eletrônicas registram corretamente os votos.
Para os técnicos das Forças Armadas, o número baixo de participantes faz o teste não simular uma votação real, o que é considerado uma fragilidade.
Em outro ponto, os militares devem destacar as dificuldades impostas pelo TSE para a análise do código-fonte das urnas e sugerir que o acesso seja facilitado, com condições mais favoráveis para a auditoria das entidades fiscalizadoras.
Apesar desses pontos destacados, os militares não encontraram divergências nos dados dos boletins de urna ou no teste de integridade –dois dos principais métodos de verificação da integridade do sistema eleitoral.