Há política racial de distribuição de mortes na Bahia, diz pesquisador de segurança pública

Bahia

por Bruno Luiz / Lula Bonfim

Foto: Reprodução / Blog Cidinha da Silva

Na Bahia, 97% das pessoas mortas pela Polícia Militar são negras (confira aqui). Este foi o apontamento de um relatório produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, publicado nesta quarta-feira (9). Para o historiador Dudu Ribeiro, um dos pesquisadores do grupo, “existe de fato uma política de distribuição de morte de forma racializada” no estado. Em entrevista ao Bahia Notícias, ele criticou a política de segurança do governador Rui Costa (PT), rechaçou a “guerra às drogas” e apontou que há intenção na falta de transparência nos dados acerca de violência no Brasil.

 

“Todas as experiências presentes na Rede – e muitas outras que não estão na Rede, mas pesquisam segurança pública – sabem da dificuldade de acesso aos dados oficiais da área. Não por uma incapacidade de produção dos dados, mas muito mais por uma intencionalidade mesmo dos governos em não produzir dados qualificados que demonstrem o quadro real da segurança pública”, criticou o historiador.

 

“Isso tem a ver com uma política que nós conseguimos apontar a partir desta pesquisa, de um modelo baseado na guerra, na violência. A não formulação de dados qualificados serve também ao que a gente chama de necropolítica, que é a distribuição da morte enquanto exercício de poder do estado. A precariedade do acesso e da produção dos dados serve também a esse modelo de guerra”, explicou Ribeiro.

 

A política de guerra contra as drogas é alvo de fortes críticas do pesquisador da Rede de Observatórios da Segurança. Segundo ele, todas as experiências que tiveram sucesso na redução dos índices de violência ao redor do mundo estiveram conectadas à promoção de direitos, não à repressão e à criminalização de territórios.

 

“A gente vê o investimento em uma ideia que é histórica, de combate ao tráfico de drogas, mas que consegue perceber que a guerra não é contra substâncias. A guerra sempre foi e continua sendo contra pessoas. Esse modelo de guerra às drogas não é um modelo de cuidar da saúde pública, mas sim um modelo de produzir e reproduzir desigualdades históricas, de implantação de regime de controle, vigilância e punição contra determinadas populações, que promove um altíssimo encarceramento”, afirmou Dudu Ribeiro.

 

“E, aqui na Bahia, nós conseguimos captar, de forma ainda mais contundente, que existe de fato uma política de distribuição de morte de forma racializada, onde cerca de 97% das pessoas assassinadas pela polícia são pessoas negras”, disse o pesquisador, que também é coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política Sobre Drogas.

 

Ribeiro diz que Rui Costa, assim como outros governadores pelo Brasil, independentemente do espectro político-partidário, reforça a lógica de guerra na segurança pública. O integrante da Rede de Observatórios lembrou a justificativa do governo para o aumento dos números da violência no primeiro semestre de 2020, que, segundo o governador e o Coronel Anselmo Brandão – comandante da Polícia Militar da Bahia -, estaria ligada à soltura de presos do semiaberto em prevenção à pandemia nos presídios, apontando que o gestor petista constantemente apresenta opiniões sobre o assunto que não seriam subsidiadas por dados.

 

“É uma narrativa desorganizada, não baseada em dados reais, e reforça à tropa que está na rua de que é preciso incentivar mais a violência e a repressão porque os bandidos estariam soltos na rua. O governador constantemente reforça essa ideia de que a segurança pública precisa realmente de mais armas, viaturas e policiais. Aí faz ocupação, como a que está acontecendo no Nordeste de Amaralina. Ao mesmo tempo, a gente não viu nesses últimos anos inteiros ocupações no Nordeste de Amaralina e outras comunidades negras que fossem ocupações de direitos. Chegar e fazer uma ocupação que permitisse que o jovem tivesse mais acesso a educação, cultura e saúde. Subir [a comunidade] com mais direitos não acontece. Já subir com a polícia continua sendo a resposta do governador, como de muitos outros governadores no Brasil”, criticou.

 

O historiador afirma ainda que o modelo de segurança pública vigente privilegia a guerra em detrimento da saúde pública. “Impede que a sociedade, as instituições e o poder público tenham melhores condições de lidar com o complexo fenômeno do uso de substâncias psicoativas ilícitas a partir da lógica da proteção à saúde. A lógica da guerra subtrai investimentos que poderíamos fazer no cuidado das pessoas que fazem uso abusivo de algumas substâncias”, comentou.

 

Dudu Ribeiro lembra que o modelo de “guerra às drogas” vigora há décadas, não apenas no Brasil, mas em grande parte dos países do mundo, com resultados muito parecidos. O historiador afirma que, em países com desigualdades sociais históricas, as populações já marginalizadas por conta do colonialismo, do racismo e da escravidão tendem a sofrer os efeitos mais perversos da guerra. Por outro lado, uma outra parcela, menor, participaria do lucro.

 

“A gente precisa lembrar que a guerra não é só produção de morte. A guerra é a produção de morte para produzir lucro. Então a gente vai ver que existem pequenos grupos que comandam o percurso ilícito das substâncias psicoativas de lugares privilegiados, enquanto a guerra se concentra nos territórios criminalizados a partir de uma lógica irresponsável de combate ao varejo da substância. Isso é o que tem causado altíssima letalidade nos territórios negros e também altíssimo encarceramento”, destacou.

 

POLÍCIA MILITAR

O pesquisador da Rede de Observatórios da Segurança analisa que as polícias militares no Brasil estão conectadas com uma produção de controle, no combate a um suposto inimigo interno, que estaria ligado tanto com o processo de colonização quanto com o racismo e outros elementos oriundos da escravidão. Segundo Dudu Ribeiro, ao mesmo tempo em que os policiais são instrumentos de um estado algoz da população negra, eles também seriam alvos do processo.

 

“A Polícia Militar representa uma parte fundamental desse processo de produção de mortes, institucionaliza a ideia da guerra ao inimigo interno – no caso, a população negra – e, ao mesmo tempo, ela se localiza em um espaço contraditório que expõe o conjunto negro à violência, mas também os próprios profissionais da segurança pública. Nós temos divulgado diversas pesquisas que dizem que a polícia do Brasil é a que mais mata e também é a que mais morre. Vários dados sinalizam que a maioria dos policiais mortos também são negros. Então é uma lógica de guerra representativa da sofisticação do racismo brasileiro”, finaliza.

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