UTIs na Bahia crescem 62% na pandemia, mas não se sabe quantas serão mantidas
Bahiapor Jade Coelho
A pandemia do coronavírus forçou gestores estaduais e municipais a investirem em Saúde além do previsto. A doença se espalhou pelo mundo e obrigou prefeitos e governadores a ampliarem a oferta de leitos e a assistência à população. Os leitos de Tratamento Intensivo (UTIs), altamente demandados pelos pacientes com Covid-19, registraram um crescimento de 45% em todo o país, de acordo com um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM). Na Bahia esse crescimento foi ainda maior: 62%, se comparado com o período pré-pandemia, considerando aqueles do Sistema Único de Saúde (SUS) e não-SUS, adultos, pediátricos e neonatais. Ao olhar apenas as UTI adulto o acréscimo de fevereiro para o número atual chega aos 84%.
Os leitos de UTI são necessários no tratamento de casos graves da infecção pelo coronavírus, que ataca os pulmões e causa insuficiência respiratória e cujo tratamento depende de equipamentos de suporte de vida e respiração mecânica. No quesito respiradores, o crescimento na Bahia foi de 27%. O estado começou 2020 com 3.194 e uma proporção de um equipamento para cada 4.562 habitantes (lembre aqui). E agora possui 4.081 respiradores e a proporção é de um para aparelho de ventilação mecânica para cada 3,6 mil habitantes.
Arte: Priscila Melo/ Bahia Notícias
Apesar dos números serem positivos, o CFM se preocupa com a não manutenção dos leitos após a pandemia, e ainda destaca que o país sofre com a má distribuição de Unidades de Tratamento Intensivo.
Júlio César Vieira Braga, conselheiro federal representante da Bahia, argumenta que grande parte do valor investido na abertura de leitos partiu de um recurso emergencial do governo federal e que não deve ser mantido quando o período de calamidade chegar ao fim, em 31 de dezembro.
Júlio César, que é especialista em medicina intensiva e cardiologia, ainda acrescenta que estados e municípios já operavam no limite de gastos e a realidade deve voltar a ser essa. “Claro que a capacidade instalada pode ser utilizada, mas isso depende muito mais de gestores estaduais e municipais, e a gente não imagina que eles vão manter isso, porque a deficiência já existia antes, não é uma coisa de momento, da pandemia. E, apesar disso, ainda continuava o investimento baixo em saúde em boa parte dos estados, no país e aqui particularmente”, argumentou o médico.
Na Bahia, o orçamento previsto para a saúde correspondia a 15% do total previsto para o ano de 2020 na Lei Orçamentária Anual (LOA), publicada em janeiro, antes da pandemia. O índice corresponde a cerca de R$ 7,2 milhões.
Outra constatação do Conselho Federal de Medicina é de que caso os leitos adicionados emergencialmente fossem mantidos e redistribuídos entre as diversas especialidades médicas, isso contribuiria de forma significativa para a resolução do déficit de vagas no SUS em todo o país. “Com certeza ajudaria e muito a minorar as filas que existiam antes da pandemia. Quando a gente ouve falar que hoje a ocupação de leitos está menor que 75% é uma glória, quando no momento pré-pandemia a gente vinha, na imensa maioria dos estados, com a ocupação de quase 100% de leitos de UTI”, disse o intensivista.
Neste ponto o conselheiro Júlio César ainda ressalta que a Bahia está entre os 14 estados do país com leitos de UTI por 10 mil habitantes abaixo do que especialistas em medicina intensiva consideram ideal. De acordo com o médico, o caso da Bahia é ainda mais delicado porque aqui apenas 10% da população é assistida por planos de saúde. Isso significa que quase 90% dos baianos dependem exclusivamente das unidades públicas de saúde.
“A Bahia, que tem um percentual maior de usuários do SUS do que os outros lugares, deveria ter ainda mais proporcionalmente leitos por habitante, do que um estado como por exemplo São Paulo, que tem 65% da população usuária do SUS, 35% tem plano de saúde. Na Bahia só 10% tem plano. Então proporcionalmente era pra ter mais leitos de SUS por habitante do que São Paulo, e é exatamente o contrário”, lamenta Júlio César.
O QUE FICA DE HERANÇA PARA OS BAIANOS?
Diante das hipóteses e dos argumentos apresentados pelo CFM, a reportagem do Bahia Notícias procurou a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), mas não conseguiu uma entrevista até a publicação desta matéria.
Em Salvador a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) abriu 578 novos leitos entre hospitais de campanha, leitos contratualizados e gripários. A capital baiana concentra 60% dos leitos de UTI de todo o estado, e foi onde houve o maior aumento de vagas de acordo com dados disponibilizados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes).
A capital baiana saltou de 1.220 Unidades de Tratamento Intensivo em fevereiro, para as atuais 2.038, um crescimento de 67%. Nesse período de pandemia a gestão municipal montou hospitais de campanha no Itaigara Memorial, no Hospital Sagrada Família e no Wet’n Wild. Além disso, inaugurou uma nova Unidade de Pronto Atendimento (UPA), 11 Unidades Básicas de Saúde e montou cinco gripários.
O secretário de Saúde de Salvador, Leo Prates (PDT), afirmou à reportagem que o que fica de ganho permanente para a cidade são as Unidades Básicas e a UPA. Ele ainda acrescentou que a gestão municipal está trabalhando para que após a pandemia haja uma remodelagem do contrato do Hospital Sagrada Família. Prates garante que a secretaria tem interesse de contratualizar a unidade.
Além disso, a SMS está negociando com o Hospital Salvador para que a unidade se torne a referência oncológica municipal, já que o Hospital São Rafael, que prestava esse serviço anteriormente, não faz mais esse atendimento pelo Sistema Único de Saúde.
Em relação aos insumos médicos adquiridos pela gestão de Salvador nesse período, a explicação do secretário foi de que os equipamentos comprados renovarão o parque tecnológico da prefeitura.
“Por exemplo: nós estamos na UPA dos Barris com quatro respiradores novos e quatro mais antigos, nós renovaremos o parque tecnológico da UPA. Deixaremos lá os melhores respiradores. O resto [das aquisições feitas pela gestão] é material temporário, como EPI, não é material permanente”, explicou Prates. O secretário acrescentou ainda que em relação ao hospital de Campanha do Wet’n Wild as camas e respiradores são de propriedade da Organização Social que gere a unidade.
O titular da SMS ainda destaca que a estrutura montada pela pasta contou com equipamentos emprestados de entidades de saúde. Aparelhos esses que serão devolvidos com o fim da pandemia. “Nós tivemos cedidos respiradores, como por exemplo 15 do Hospital São Rafael que nos emprestou, 50 da Hapvida, são emprestados. Esses equipamentos regressarão aos seus proprietários”, completou Leo Prates.