Câmara derruba decisão do STF que afastou deputado acusado de corrupção
Brasilpor Angela Boldrini, Danielle Brant e Ranier Bragon | Folhapress
No primeiro caso concreto da atual legislatura de análise de suspeita de corrupção contra um de seus membros, o plenário da Câmara dos Deputados anulou nesta quarta-feira (5) a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que afastou do mandato o deputado federal Wilson Santiago (PTB-PB).
O atual Congresso foi eleito, majoritariamente, por uma onda que tinha entre suas principais bandeiras a do combate implacável à corrupção.
O placar mostrou apenas 170 votos favoráveis à decisão do STF — eram necessários ao menos 257 — e 233 contrários, em consonância com o relatório do deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Houve 7 abstenções e 102 ausências, que contaram, na prática, a favor de Santiago.
A discussão sobre manter ou não o afastamento do petebista envolvia discussões políticas e jurídicas.
Decisões do Supremo Tribunal Federal de afastar parlamentares do mandato são controversas — especialmente as tomadas por um único ministro, sem que houvesse condenação, como no caso de Santiago. Por outro lado, defensores do afastamento apontavam risco às investigações.
A decisão da Câmara foi precedida de uma longa reunião entre o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parlamentares do centrão e a área técnica.
A posição de que eram necessários pelo menos 257 dos 513 votos para a manutenção do afastamento foi anunciada por Maia no plenário, após a reunião. Ele submeteu a voto o seu entendimento, que foi mantido por 407 votos contra 5.
O presidente da Câmara chegou a ameaçar adiar a votação em razão dos ausentes, mas acabou voltando atrás.
Na tentativa de amenizar o desgaste da decisão, deputados decidiram apoiar o envio de uma representação contra o petebista ao Conselho de Ética da Câmara.
Diferentemente da decisão do STF, porém, um processo no Conselho de Ética pode durar meses e, em caso de condenação, não resulta necessariamente na cassação. A palavra final cabe, sempre, ao plenário da Casa.
“A manutenção do afastamento por uma decisão cautelar representaria uma verdadeira cassação prévia de mandato, algo que contraria a Constituição, que exige prévia condenação criminal transitada em julgado”, afirmou Marcelo Ramos. Ele foi escolhido relator após a reunião de Maia e o centrão, em substituição a Fábio Trad (PSD-MS), que era favorável à decisão do STF.
Ramos sugeriu em seu voto que seja aberto o processo de cassação contra o petebista no Conselho de Ética, o que pode ser feito pela Mesa da Câmara.
Santiago foi afastado do mandato no final de dezembro de 2019 em decisão do ministro Celso de Mello, decano do STF, sob o argumento de que a sua manutenção no cargo representava ameaça às investigações.
O parlamentar é acusado pelo Ministério Público de desviar verbas de obras contra a seca no sertão da Paraíba. Contra ele há, entre outros pontos, vídeos gravados pela Polícia Federal indicando a suspeita de que propina foi entregue em seu gabinete e em seu apartamento.
Durante busca em sua residência em João Pessoa, a Polícia Federal encontrou um aparelho celular escondido em uma caixa de remédio, dentro de um frigobar.
Apesar do temor do desgaste que a decisão pode provocar na opinião pública, houve um movimento liderado pelos partidos do centrão (PP, PTB, SD, entre outros) para livrar Santiago sob o argumento de que não há amparo legal no afastamento de um parlamentar por uma decisão monocrática de um juiz, feita de forma cautelar, sem que haja condenação.
A medida foi apoiada inclusive por integrantes da oposição, como do PT e do PC do B, unindo alguns partidos antagônicos na mesma decisão.
“É uma verdadeira carta branca que está a se dar a todos os juízes, de todas as instâncias, para cassar mandato parlamentar”, discursou no plenário o advogado de defesa de Santiago, Luís Henrique Machado, o mesmo que defendeu Renan Calheiros (MDB-AL) na época em que houve uma ameaça de afastamento do então presidente do Senado por parte do STF.
Mesmo afastado, Santiago estava no plenário da Câmara. Ele não quis discursar durante a sessão.
Nos bastidores, o temor de vários deputados era o de que a manutenção do afastamento abriria um precedente que colocaria em risco outros parlamentares também com problemas na Justiça.
Diante da polêmica de decisões do STF de afastar parlamentares do mandato, hoje há um entendimento na corte de que a palavra final cabe ao plenário da Câmara ou do Senado.
A questão se tornou uma discussão prática em maio de 2016, quando o ministro Teori Zavascki afastou do mandato o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ).
A decisão foi referendada no mesmo dia, de forma unânime, pelo plenário do STF.
O próprio Teori registrou que sua sentença era “excepcionalíssima”. Críticos apontaram para o risco de violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes.
A Câmara não se insurgiu, à época, e Cunha foi efetivamente afastado e teve, posteriormente, o mandato cassado pelos colegas. Ele acabou preso em decorrência das investigações da Lava Jato, situação em que se encontra até hoje.
Já no final de 2016 foi a vez de o ministro Marco Aurélio Mello determinar o afastamento do senador Renan Calheiros (MDB-AL) da presidência do Senado.
Marco Aurélio argumentou ter tomado a decisão com base no entendimento da maioria dos ministros da corte de que réus em ações penais não podem ocupar cargo na linha sucessória da Presidência —Renan havia se tornado réu uma semana antes.
O Senado não cumpriu a determinação de Marco Aurélio e recorreu ao plenário do STF, que manteve Renan no cargo por 6 votos a 3.
No ano seguinte foi a vez de o senador Aécio Neves (PSDB-MG), acusado de receber vantagem indevida da JBS e tentar atrapalhar as investigações, ser afastado do mandato por decisão da Primeira Turma do STF.
Na ocasião, em meio à ameaça de uma crise institucional, a corte deliberou, porém, que caberia ao Congresso a palavra final sobre a suspensão do mandato de parlamentares pelo Judiciário.
Com isso, o plenário do Senado derrubou por 44 votos a 26 a decisão do Supremo e restabeleceu o mandato do tucano