Nenhum dos 7.766 servidores expulsos desde 2003 saiu por mau desempenho

Brasil

O governo federal já expulsou 7.766 servidores públicos estatutários desde 2003. Nenhum deles por insuficiência de desempenho, hipótese prevista na Constituição há mais de 20 anos, mas que nunca foi regulamentada.

Os dados são da CGU (Controladoria-Geral da União), que divulga registros a partir daquela data, atualizados até novembro de 2019. O número corresponde a 0,5% do quadro atual de servidores civis.
Quase dois terços das expulsões (65%) se referem a casos de corrupção. Outras 25% estão relacionadas a abandono, inassiduidade ou acumulação ilegal de cargos.

As hipóteses para demissão de servidores federais estão previstas na Lei 8.112, de 1990.

Entre aquelas que mais se aproximam do desempenho insuficiente na função está a desídia, que significa indolência, ociosidade, preguiça, negligência ou descuido na execução de um serviço, segundo o dicionário Houaiss. Desde 2003, foram 223 expulsões (3% do total) por esse motivo. Nos últimos três anos, foram 56 (um quarto do total).

A CGU afirma, no entanto, que a demissão por insuficiência de desempenho, se regulamentada, provavelmente decorrerá do resultado de avaliações de desempenho ou de instrumento semelhante. A conduta desidiosa, por outro lado, independe de qualquer avaliação, mas sim de conduta específica do servidor.

“Nesse sentido, um servidor que possui um excelente desempenho, conforme o caso, pode ser demitido em razão de conduta desidiosa”, afirma a controladoria.

Em 1998, o Congresso aprovou a reforma administrativa do ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que previa demissão por excesso de quadros (rejeitada pelos parlamentares) e por insuficiência de desempenho.

Essa segunda hipótese foi aprovada e está na Constituição há mais de 20 anos, mas nunca foi regulamentada, o que impede sua aplicação.

Em julho deste ano, um projeto de lei nesse sentido, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e aguarda votação em plenário.

O governo federal tem prometido apresentar uma proposta de reforma administrativa que incluiria, por exemplo, regras para avaliação de desempenho dos servidores e contratação de concursados sem estabilidade. Para algumas carreiras, como aquelas ligadas à área de fiscalização, parte dessas novas regras não seria aplicada.

Na lista dos órgãos com mais demissões, no entanto, estão aqueles que possuem em seus quadros servidores com essas atribuições.

De acordo com a CGU, os órgãos federais com maior número de servidores expulsos são INSS (1.897), Ministério da Educação (1.437), Ministério da Saúde (792), Polícia Rodoviária Federal (605), Receita Federal (520) e Polícia Federal (416).

Juntos, respondem por 73% das expulsões desde 2003.

Esses números se referem apenas a servidores públicos estatutários, mas há também dados para funcionários contratados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Segundo a CGU, desde 2003, foram expulsos 8.915 celetistas de empresas federais, com destaque para Banco do Brasil (3.683), Correios (2.550) e Caixa Econômica Federal (1.443).

A Petrobras, estatal cujos casos de corrupção se destacaram nos últimos anos no âmbito da Operação Lava Jato, teve 180 funcionários celetistas expulsos desde 2003, número inferior ao da Casa da Moeda (238) e igual ao do Banco da Amazônia (180).

No caso dos celetistas, não há informações sobre quantos tiveram a demissão relacionada a casos de corrupção, exceto no caso de cinco pessoas que ocupavam algum cargo em comissão na Administração Direta e, por isso, foram submetidos a procedimento administrativo disciplinar.

O professor da FGV Direito SP Mário Engler, que já atuou no serviço público como procurador no estado de São Paulo, afirma que há uma exigência muito grande para que uma pessoa possa ingressar no serviço público, mas faltam instrumentos para avaliar o desempenho posterior dos servidores, tanto para premiar quanto para punir.

Engler defende uma reforma administrativa que regulamente a questão, mas de maneira objetiva, para evitar que a avaliação seja utilizada com finalidade política.

“Você tem esse dilema na administração pública. Há uma falta de incentivos, para os bons desempenhos, e de instrumentos que permitam efetuar desligamentos sem que seja por conta de uma falta que caracterize prática criminosa”, afirma o professor da FGV.

“A desídia é uma infração disciplinar. A insuficiência não tem uma carga de ilícito.”

Ainda de acordo com a CGU, cerca de 10% dos servidores públicos e celetistas expulsos foram reintegrados por decisão de tribunais superiores, por motivos como desproporcionalidade entre conduta e punição ou prescrição, entre outros.

A instituição informa que alterou profundamente a sua forma de apuração disciplinar neste ano.

“Agora, antes da instauração do processo é feito um significativo esforço investigativo que seja capaz de viabilizar o maior e melhor quantitativo de prova possível para o processo a ser instaurado. Esse esforço investigativo é estruturado em uma ferramenta chamada matriz de responsabilização”, diz a CGU.

Estudo divulgado pelo Banco Mundial em outubro deste ano também sugere, entre outras medidas para melhorar a prestação do serviço público, a aplicação efetiva de avaliação de desempenho para progressão de carreira.

Folha de S.Paulo

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